Introdução
Vários esforços têm
sido feitos na direção de delimitar os campos de atuação do psicólogo,
mas ainda existem questões presentes que não se esgotam. Mesmo com o
aumento da freqüência de discussões e trabalhos publicados, os estudos
realizados referentes ao exercício profissional do psicólogo continuam a
apontar para uma limitada percepção das possibilidades de atuação deste
profissional (Botomé , 1988).
Segundo o mesmo autor, ainda é presente
no reconhecimento da Psicologia enquanto área de conhecimento e campo
profissional, o perfil predominante do saber fazer da clínica. Em outras
palavras, é como se o aprendizado oferecido nos cursos de formação
continuassem enfatizando a herança herdada pela Psicologia do modelo
médico, onde as atividades desenvolvidas pelos psicólogos estão muito
mais voltadas para o trabalho com indivíduos isolados ou grupos pequenos
do que, por exemplo, grandes contingentes populacionais. A prática
clínica está tão enraizada nas origens da Psicologia que a própria
identidade entre Psicologia e psicoterapia resiste a todo conhecimento
produzido nos últimos 50 anos a respeito do que é e pode ser a
Psicologia tanto como área de conhecimento como quanto campo (ou
campos?) de atuação profissional (Botomé, 1988; p. 276).
Mesmo assim, essa forte ligação, apesar
de resistente, não impediu os diversos avanços que têm sido feitos na
direção de ampliar a prática do psicólogo para além da clínica. Para
Francisco e Bastos (1992), os psicólogos têm buscado consolidar uma
atuação que não se restringe mais só às atividades voltadas à mensuração
de características psicológicas e intervenção frente a problemas de
ajustamento de indivíduos. Não obstante, os órgãos oficiais (Conselhos
Federal e Regional de Psicologia), criaram em 2001, o título de
especialista reconhecendo não só os campos mais tradicionais da
Psicologia (clínica, escolar e organizacional), mas também aqueles que,
através de pesquisas, se constituíram nos novos cenários de atuação do
psicólogo no Brasil (hospitalar, trânsito, jurídica, esporte,
psicopegagogia, psicomotricidade, social e neuropsicologia).
O parágrafo que se segue é um trecho, de
um dos temas das discussões, realizadas por comissões, em todos os
Conselhos Regionais de Psicologia, em 2000, a respeito da criação do
título de especialista, que prova a iniciativa de oficializar campos de
atuação da Psicologia até então, desconhecidos do ponto de vista legal.
A especialidade é, portanto, uma
decorrência do próprio desenvolvimento da Psicologia em suas diferentes
áreas de inserção, tais como hospitais, presídios, creches, fóruns etc. A
Psicologia não pode hoje ser vista como uma prática limitada ao
consultório, aos recursos humanos e à escola. Sua entrada em setores
distintos produz modificações nessas áreas, assim como no saber
psicológico. Se desconsiderarmos, estas novas realidades corremos o
risco de reproduzir práticas tradicionais que não se adaptem às novas
demandas. É fundamental que essas práticas sejam sistematizadas, com
vistas à produção de conhecimentos científicos. A criação do registro
pode favorecer que profissionais com atuação numa mesma área se unam,
reflitam, pesquisem e aprofundem conhecimentos que representem avanços
tanto teóricos como práticos para a Psicologia (Jornal de Psicologia;
03- 04/2000).
Após quatro anos da Resolução Nº
002/2001, baixada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) em 22 de
março de 2001, os problemas referentes à prática profissional do
psicólogo prosseguem e estes não dizem respeito só ao campo da
Psicologia do Esporte, tema central deste curso. Na verdade, o que se
percebe é que o título “garante” o lugar do psicólogo no mercado de
trabalho, mas não garante um conhecimento que, a priori, deveria ser
adquirido na sua formação, seja ela inicial ou em nível de
pós-graduação. E neste sentido, é unânime encontrar em várias obras da
literatura que discutem este assunto, autores como Botomé (1988);
Francisco e Bastos (1992); Bastos e Achcar (1994) e Duran (1994) que
afirmam, apesar de todas as mudanças voltadas a sistematizar a
diversidade que permeia a Psicologia enquanto área de conhecimento e
campo profissional, a formação ainda é uma questão pendente.
Em citações originais dispostas cronologicamente e por ordem de capítulos (especificamente para aqueles que fazem parte da mesma obra) é possível identificar alguns pontos comuns entre os autores, a respeito do tema levantado: Veja a seguir:
Em citações originais dispostas cronologicamente e por ordem de capítulos (especificamente para aqueles que fazem parte da mesma obra) é possível identificar alguns pontos comuns entre os autores, a respeito do tema levantado: Veja a seguir:
Botomé (1988):
...A formação profissional parece baseada em uma concepção de “modelo pronto de trabalho em Psicologia”. Há uma ausência, na formação, de habilitações para estudar, analisar, elaborar, testar e desenvolver projetos de trabalho profissional a partir de problemas, limitações e dificuldades (p. 277)
...O ensino superior não parece
dedicar-se a corrigir a tendência predominante do exercício
profissional. Mesmo por que, o currículo parece mais voltado ao ensino
de técnicas e modelos de atuação profissional já existentes do que ao
desenvolvimento de alternativas de atuação profissional socialmente
significativas.
Nem ao menos há, ainda, uma
significativa dedicação, na universidade, ao desenvolvimento de
conhecimento sobre outras possibilidades de realização do exercício e da
profissão. Os modelos de currículo e de ensino ainda enfatizam a
“transmissão de conteúdos”, ignorando que essa metáfora (algo “cheio”
transmite “conteúdos” a algo vazio) não é um discurso adequado para
traduzir o processo que ocorre quando alguém aprende a partir do que faz
alguém que ensina...(p. 280-281).
No planejamento da formação do
psicólogo e no exame do exercício profissional há pouca clareza sobre a
distinção entre as concepções da Psicologia como área de conhecimento,
como campo de atuação profissional e como mercado de trabalho. O
exercício da profissão e a formação de novos psicólogos, sem essa
distinção, correm o risco de não superarem os vários problemas hoje
existentes na atividade profissional (p. 281).
Francisco e Bastos (1992):
Francisco e Bastos (1992):
...Ao se estudarem os vínculos do
exercício profissional com o processo de formação, a ênfase normalmente
recai nos aspectos curriculares que determinam a existência de um modelo
hegemônico de fazeres profissionais que veda a possibilidade de
diversificação do exercício da Psicologia. Como fator importante, ao
formar psicólogos cujo leque de competências não amplia a sua inserção
no mercado e não transforma campo potencial em demanda de serviços- os
processos formativos reproduzem o modelo hegemônico e ampliam o
isolamento do psicólogo. Como assinalam Weber e Carraher (1982), “existe
um consenso de que o currículo vigente no Brasil não reflete o estado
atual da Psicologia como ciência e como profissão. Constatam-se
defasagens patentes entre o que aqui é ensinado e o que é produzido nos
grandes centros intelectuais, bem como entre o que o psicólogo aprendeu e
os desafios que afronta cotidianamente na sua prática profissional” (p.
5) (213-214).
...Uma análise das mudanças
curriculares nos últimos 20 anos revela a preocupação e, mesmo, as
tentativas crescentes de atualização, embora saibamos que muito do
modelo tradicional perdura e que, para se empreender uma mudança
estrutural, que parece ser a meta, é necessário mais do que repensar
carga horária ou substituir disciplinas. Tais mudanças superficiais
estão fadadas ao fracasso e certamente não contribuirão para alterações
significativas na construção da ciência e prática psicológicas entre nós
(p. 214).
Bastos e Achcar (1994):
...É necessário que no curso de formação acadêmica do psicólogo sejam rompidos os limites que o aprisionam a uma formação fragmentada e tecnicista ou que o preparem para reproduzir formas extremamente limitadas de enfrentar um reduzido leque de problemas (p. 325).
...A mudança na formação não pode se
reduzir ao plano dos conteúdos ou conhecimentos, mesmo que a sua
ampliação dê conta dos novos contextos, clientelas e problemas com os
quais o psicólogo passou a se deparar (p. 325).
Duran (1994):
Duran (1994):
...Muito do que tem sido dito ou
escrito convence da necessidade de reformas no plano de formação. O
quadro que se revela, a partir dos resultados e reflexões constantes dos
trabalhos até aqui expostos, nos mostra uma profissão em processo de
transformação e necessitando revisão em seus modos de formação
profissional. Tal revisão implica novas atitudes em relação ao
conhecimento, a sua produção, ao exercício da profissão e, naturalmente,
ao processo formador. Não se esgota em qualquer procedimento discreto,
mas supõe um processo abrangente em que instituições em vários níveis no
âmbito da educação e no âmbito profissional, nos limites de suas
competências, promovam as avaliações e as medidas que possam contribuir
para aproximar a formação profissional das exigências sociais que a
derivam condicionar (p. 368).
Baseando-se nas citações acima, fica
claro que, desde aquela época, já existia uma necessidade emergente na
Psicologia, não só do reconhecimento de novas áreas, mas,
principalmente, da reestruturação das diretrizes de formação do
psicólogo. Todos os autores, sem exceção, apontavam para a necessidade
de mudanças emergentes, destacando entre elas: o abandono ao modelo
hegemônico, que acaba dificultando ao psicólogo a possibilidade de
ampliar sua inserção no mercado e transformar seu campo potencial em
demanda de serviços; uma mudança estrutural no modelo de formação que
não se reduza apenas a repensar a carga horária ou substituir
disciplinas (Francisco e Bastos, 1992) e, um processo abrangente em que
instituições, em vários níveis no âmbito da educação e profissional,
possam promover avaliações e medidas que venham contribuir para
aproximar a formação profissional das exigências sociais que a deveriam
condicionar (Duran, 1994).
Os autores, Bastos e Achcar (1994),
acrescentavam, também, que o fato de se discutir formação em nível de
graduação, não necessariamente implicaria que só o mesmo teria que
dispor de condições para preencher essas lacunas já que, dada a
diversidade de problemas e contextos que o psicólogo encontrava e
encontra até hoje, a mesma não conseguiria ser contemplada em toda a sua
extensão num curso no nível de graduação.
Mesmo porque, entende-se que a formação
dada pelos cursos universitários deve ou deveria constituir a base de
conhecimento para formar um profissional, e não se tornar o único
recurso responsável na aquisição do mesmo, que surge, posteriormente, na
vida de um profissional quando este se depara com novas necessidades
produzidas pela dinâmica do mundo e dos indivíduos que fazem parte dele.
Sendo assim, diante dessas e outras
mudanças emergentes apontadas pelos autores e pela própria Psicologia ,
em 12 de Abril de 2004, através da Resolução CNE/CES6 Nº 87, foram
aprovadas as novas Diretrizes Curriculares do curso de Psicologia, que
propõem, hoje, como bases de formação do psicólogo desenvolver
competências e habilidades profissionais, em substituição à tradição
curricular baseada na enunciação de disciplinas e conteúdos
programáticos, que se expressaram historicamente na obrigatoriedade de
um currículo mínimo (Maluf e cols, 2003; p. 9). É, também, papel da
formação atual desenvolver forte compromisso com a perspectiva
científica e com o exercício da cidadania, assegurar postura ética,
garantir visão integrada dos processos psicológicos e permitir a
ampliação dos impactos sociais dos serviços psicológicos prestados à
comunidade (p. 9).
Em outras palavras, pode-se afirmar, que
a aprovação das novas Diretrizes Curriculares significa não só o
resultado dos esforços que foram feitos na direção da reestruturação dos
cursos de Psicologia, mas também, a possibilidade de reflexão sobre
estes esforços, discutindo suas implicações e influências,
principalmente, no campo da Psicologia do Esporte, já que isolar os
reflexos dessa reestruturação da área em relação à própria estruturação
deste campo seria inevitável ou, no mínimo, impossível.
Neste sentido, não basta apenas olhar
para o processo de crescimento da Psicologia do Esporte no Brasil que,
como já apontado, anteriormente, é visível. É necessário sim, mergulhar
em sua história buscando identificar e entender em que bases os saberes
que caracterizam seu campo de intervenção foram construídos e quais as
competências exigidas no fazer profissional do psicólogo esportivo.
Afinal, como profissão relativamente nova, muito dos saberes da
Psicologia do Esporte ainda estão se consolidando no nível da ciência e
isto influi no seu fazer, o que significa que ainda há muitas
divergências de dados, de teorias, de modelos, insuficientemente
pesquisados que necessitam maior aprofundamento. Além do que, a
realidade também tem demonstrado que os próprios psicólogos e estudantes
de Psicologia ainda reagem com certa estranheza à possibilidade de
trabalhar, por exemplo, junto a uma quadra de tênis ou campo de futebol.
No entanto, há de se considerar que o
esporte não é, hoje, apenas um espetáculo onde os indivíduos vivenciam
superações e se realizam, mas é, também, um meio no qual os atletas
incorporam papéis que se misturam a sua própria identidade, ao seu
próprio self.
O que torna possível afirmar que existe
um elemento neste cenário, que está além da habilidade motora, o chamado
fenômeno psicológico, co-responsável pela produção de ações e reações
que mobilizam não só atletas, mas todos aqueles que direta ou
indiretamente estão envolvidos com o esporte. E é este o fenômeno, que
tem sido responsável por reformular, segundo Bastos e Achcar (1994), os
esquemas conceituais que embasam a atuação profissional do psicólogo,
não só no campo da Psicologia do Esporte, mas em outros campos de
atuação.
Para os autores, o traço distintivo de
tal mudança consiste na busca de compreender o indivíduo e os fenômenos
psicológicos de forma integrada a outros fenômenos, especialmente
aqueles de cunho social, cultural e político (p. 305-306).
Ou seja, o que muda na intervenção do
psicólogo esportivo é apenas o tipo de atividade trabalhada – o esporte –
e os requisitos que são necessários ao bom desempenho do profissional
da área. A prática do psicólogo esportivo se assemelha às demais
atividades de psicólogos que lidam com a questão do trabalho, mudando,
portanto, apenas o cenário (Bonfim, 1994, p. 275).
Mas, se a “única” mudança que o
psicólogo enfrenta para trabalhar no campo da Psicologia do Esporte é
seu “locus de intervenção”, como relata Bonfim (1994), por que ainda
existem tantos equívocos a respeito de profissionais, que acabam
exercendo funções que só caberiam ao psicólogo ou psicólogos do esporte e
a mais ninguém? Ou ainda, por que a maioria das equipes esportivas e
atletas continua privada da intervenção deste profissional?
Talvez a resposta que se pretende
fornecer, ao longo deste trabalho, não seja tão “simplista” ou “ingênua”
quanto diria, tenha sido a dada por Bonfim (1994). Ao contrário.
Até o momento, algumas hipóteses já
foram levantadas, entre elas, a contradição existente entre a demanda de
veículos de formação e informação oferecidas aos profissionais e as
queixas destes mesmos profissionais sobre a dificuldade de encontrar
formação e informação adequadas para aprimorar seu conhecimento neste
campo; a re-estruturação da própria Psicologia enquanto área de
conhecimento e enquanto campo de intervenção, que passa, necessariamente
como já mencionado, pela reforma curricular dos cursos de formação
inicial e, por que não dizer, dos cursos de formação lato e
stricto-sensu. Em outras palavras, talvez antes de se perguntar o porquê
de muitos profissionais assumirem funções ou intervenções que,
legalmente, não lhes pertence, seja necessário perguntar o quê, na
verdade, faz um psicólogo do esporte, quais são suas funções e, em que
competências essas funções estão alicerçadas.
A Psicologia no Brasil
A Psicologia no Brasil: história da construção de uma ciência e sua práxis
Buscar analisar a história de qualquer
ciência se constitui numa tarefa complexa e, muitas vezes difícil, já
que seu processo de construção é contínuo e dinâmico. E, no caso da
Psicologia, isso não é diferente. A compreensão do processo de
construção histórica de uma área de conhecimento é tão imprescindível
quanto o conteúdo de suas teorias e o domínio de suas técnicas que,
tomando atemporalmente, são meros fragmentos de uma totalidade que não
se consegue efetivamente apreender (Antunes, 2001; p. 9).
Como protagonistas desse cenário, muitos
pesquisadores têm contribuído para atualizar ou acrescentar maior
conhecimento à humanidade através de estudos e pesquisas que mostram a
história da Psicologia sob vários aspectos: científico, prático e da
diversidade. Entre eles podemos citar Figueiredo (1992) que tem, através
de suas publicações, trilhado um caminho para entender melhor essa
ciência nascida no final do séc. XIX; Achcar (1994); Vilela, Cerezzo e
Rodrigues (2001), pesquisadores responsáveis pela publicação do Caderno
Clio-Psyché10; Antunes (2001); Massimi e Guedes (2004), além de outros
pesquisadores ligados aos órgãos oficiais, CFP e CRP (Conselho Regional
de Psicologia). Todos, sem exceção, têm apontado as inúmeras mudanças e
crescimento nesta área. Por esse motivo e, em virtude do valor das
informações contidas em suas obras, estes e outros autores foram
utilizados como referência na construção desta lição.
Na intenção de entender as raízes da
Psicologia e seus reflexos para a Psicologia dos dias atuais,
procurou-se resgatar o processo que culminou no seu desenvolvimento
enquanto ciência, inicialmente na Europa e, logo após, no Brasil já que:
ao percorrer a história das idéias psicológicas ao longo da cultura
brasileira é possível evidenciar muitos dos conceitos utilizados pela
Psicologia moderna que possuem raízes no passado (Massimi, 2004, p. 65).
No entanto, para isso é necessário inicialmente entender como surgiu o
que chamamos hoje de psicológico.
Figueiredo (1996), em uma de suas obras,
afirma que o psicológico nasceu ou foi inventado, a partir do que foi
expurgado de um sujeito supostamente unitário e soberano que, no final
no séc. XIX viveu seu apogeu e sua dissolução ao começar a perceber que o
homem não ocupava o centro do mundo (p. 15). A partir daí, na busca do
entendimento desse sujeito, na intenção de restaurar o humanismo,
começaram a surgir as chamadas psicologias, representadas por diferentes
escolas que tinham, até aquele momento, como objetivo estabelecer uma
subjetividade indissociável.
O homem, portanto, antes regido por uma
razão que, até então, estava submetida à fé, representante de um poder
centralizador, sofreu transformações a partir do surgimento do
capitalismo. Este foi responsável pelo aparecimento de novas
necessidades, fazendo o homem ir à busca de um conhecimento que deveria
ser produzido por ele e não mais pela fé. Os dogmas da Igreja passaram a
ser questionados e a racionalidade tornou-se a grande arma para a
construção desse novo conhecimento.
Era preciso quebrar a idéia de universo
estático para poder transformá-lo. Era preciso questionar a Natureza
como algo dado para viabilizar a sua exploração em busca de matérias
primas.
Estavam, portanto, dadas as condições
materiais para o desenvolvimento da ciência moderna (Bock, Furtado &
Teixeira, 1999; p.38).
Desde então, o conhecimento científico
procurou avançar, na modernidade, através de análises rigorosas do ponto
de vista metodológico. As idéias mais claras e simples, os objetos
reduzidos em sua complexidade, a possibilidade de quantificação dos
fenômenos transformaram-se em pré-requisitos para um conhecimento
rigoroso e sistemático da natureza, condição para que um saber almeje o
status de científico (Mancebo, 2004; p.12).
O modelo de racionalidade, portanto,
passa a se estender progressivamente às ciências sociais e humanas
emergentes assim como às questões relacionadas ao individual e ao
coletivo, resultando em estudos voltados à necessidade de novas
teorizações que dessem conta dos interesses individuais, da vida em
sociedade recém-inaugurada, bem como ao duplo processo de
individualização/integração em que se sustentava a formação dos estados
modernos (Mancebo, 2004; p. 12). Surgem, então, as primeiras ciências
sociais voltadas a desenvolver teorias sobre a economia, política, o
Estado, o social e também as primeiras ciências psicológicas
encarregadas dos indivíduos, suas paixões, pulsões e interesses (Mancebo
apud Mancebo, 2004).
O capitalismo, portanto, se constitui
num fator determinante na construção da Psicologia enquanto ciência mas,
segundo Antunes (2001), não foi o único. Ele foi, utilizando uma
linguagem simbólica da autora, o terreno fértil e propício que deu o
substrato para que a Psicologia se desenvolvesse e pudesse alçar à
condição de ciência independente (p. 115). O processo de constituição da
Psicologia foi multideterminado: não um, mais vários fatores
contribuíram para a construção do seu conhecimento científico, incluindo
as influências da Fisiologia, Neuroanatomia e Neurofisiologia que
alavancaram o entendimento da Psicologia em relação ao homem através de
descobertas importantes como, por exemplo, a de que a doença mental era
fruto da ação direta ou indireta de diversos fatores sobre as células
cerebrais (1846), ou ainda que a atividade motora nem sempre está ligada
à consciência, pelo fato de não estar necessariamente na dependência
dos centros cerebrais superiores (Bock, Furtado & Teixeira, 1999).
Adquirindo o status de ciência autônoma
formada por diversas correntes, a Psicologia desenvolveu campo e objeto
próprios, diferenciando-se em relação às demais ciências, ao adotar
outros métodos e outras metas de investigação. A matéria prima da
Psicologia passou a se constituir no homem em todas as suas expressões:
as visíveis (nosso comportamento) e as invisíveis (nossos sentimentos),
as singulares (porque somos o que somos) e as genéricas (porque somos
todos assim)- é o homem-corpo, homem-pensamento, homem-afeto,
homem-ação, tudo isso como síntese de uma subjetividade (Bock, Furtado
& Teixeira, 1999; p.23).
Já no Brasil, o reconhecimento da
Psicologia enquanto ciência também não foi diferente. Alicerçada,
inicialmente pela Medicina e Educação, a Psicologia conquistou espaço na
necessidade de uma nova visão do homem e da sociedade. Através da
demanda produzida pelo país de solucionar seus problemas, promover a
educação, propiciar infraestrutura para a saúde e etc, a preocupação com
os fenômenos psicológicos se tornou intensa propiciando, por assim
dizer, condições para a busca de novos conhecimentos, muitos deles
“importados” por brasileiros do exterior que, na época, foram em busca
de uma formação superior que, como veremos a seguir, só foi criada no
país no final do séc. XIX (ver p. 13). Talvez, por conta disso, o
período que compreende a última década do séc. XIX à terceira década do
séc. XX tenha sido considerado o momento histórico em que a Psicologia
alcançou sua autonomia em relação às outras áreas de conhecimento,
tornando-se reconhecida como ciência independente e, principalmente,
integrada a vários e importantes campos da vida social brasileira, quer
pela sua própria produção teórica, por sua prática ou até mesmo pelo
fornecimento de técnicas aplicáveis às situações mais amplas que a
própria Psicologia (Antunes, 2001; p. 116).
No entanto, numa pesquisa realizada por
Massimi (1990), que abrange a História da Psicologia Brasileira- da
época colonial até 1934, encontram-se fatos que comprovam que a
manifestação pelo entendimento dos conhecimentos psicológicos se dá
muito antes do séc. XIX. A mesma autora, em 2004, em um capítulo
intitulado “As idéias Psicológicas na produção cultural da Companhia de
Jesus no Brasil do séc. XVI e XVII” descreve que ao analisar a produção
luso-brasileira colonial, verificou que delineavam-se temáticas mais
relevantes no que diz respeito a conhecimentos e práticas psicológicas,
assim como se destacava o papel significativo que alguns indivíduos
exerciam, especialmente expressivos e atuantes no âmbito da cultura
oficial ou da cultura acadêmica e popular brasileira (p. 27). Um exemplo
dessa expressividade e atuação sob o povo brasileiro foram os jesuítas.
Formados pelo Colégio das Artes de
Coimbra, palco de um dos movimentos filosóficos da época (Segunda
Escolástica Ibérica12), eles chegaram ao Brasil após 1549 assumindo a
função de portadores e transmissores da tradição medieval e
renascentista da Europa, no contexto da colônia.
Através de seus ensinamentos,
estimularam idéias, sonhos e desilusões, riquezas e contradições. A
educação, portanto, era reconhecida como instrumento privilegiado para
criar um novo homem e uma nova sociedade no Novo Mundo, ou seja, as
Américas seriam o terreno fértil para se fecundar essa utopia, já que na
Europa isso não foi possível. Para colocar em prática tal objetivo, os
jesuítas viam na criação de escolas um dos caminhos possíveis para a
realização do ideal preconizado (Massimi, 2004). Além disso, segundo a
autora, este empreendimento acarretava a necessidade de formular
conhecimentos e práticas de caráter pedagógico e psicológico (p. 29), o
que mais tarde, seria identificado no conhecimento de si e do diálogo
interpessoal, ambos promovidos pelo desenvolvimento da espiritualidade,
recurso este utilizado pela Companhia na formação de seus membros.
Vale ressaltar que os jesuítas também
receberam fortes influências dos textos de Aristóteles. Os comentários
redigidos pela Companhia, encontrados em Comentários Conimbricenses à
Ética a Nicômano, impressos em Lisboa em 1593, já que no Brasil, na
época não havia imprensa, nos mostram que a concepção psicológica é
claramente inspirada na tradição aristotélico-tomista13 onde a alma é
definida como o ato primeiro e substancial do corpo, a forma do corpo e o
princípio de toda atividade (Massimi, 2004; p.31-32). Mas além deste,
outros tópicos de natureza psicológica também foram identificados neste
período retratando a contínua preocupação com a formação do indivíduo:
as noções acerca da estrutura e da dinâmica psicológica do homem
(vontade, intelecto e apetite sensitivo), as noções acerca dos estados
da alma definidos como paixões, e as relações entre as virtudes
(hábitos) e as paixões (Massimi, 2004; p. 33).
Já nos séculos XVII e XVIII, a história
das idéias psicológicas foi marcada por uma experiência bastante
peculiar vivenciada pelos autores brasileiros: o do autodidatismo.
Naquele momento, o país ainda se resumia
apenas numa colônia de exploração. Portugal visava o lucro e, portanto,
decidia o que deveria ou não ser produzido e a maneira de fazê-lo.
Não havia universidades e escolas de
terceiro grau no território nacional para os jovens brasileiros, o que
acabou acarretando um êxodo dos mesmos para outros países com o objetivo
de adquirir conhecimento. Aqueles que aqui ficaram adquiriram sua
formação cultural num cenário bem diferente das grandes universidades da
época: buscaram realizar seus estudos num contexto hostil, marcado pela
desigualdade social, mas em momento algum, deixaram de produzir obras
que de forma significativa, influenciaram o desenvolvimento das idéias
psicológicas (Massimi, 2004).
Vários foram os autores que abordaram o
tema, relacionando-o principalmente às condições vivenciadas pelo
indivíduo. Entre eles podemos citar: Souza Nunes (1734-1808), Matias
Aires Ramos da Silva de Eça (1705-1770), Francisco de Mello Franco
(1757-1822), José Bonifácio de Andrade e Silva (1763-1838), este último
teve algumas de suas obras analisadas por Massimi (2004).
Enquanto os jesuítas estavam preocupados
em ensinar, corrigir, aconselhar e oferecer regras de várias naturezas
aplicáveis universalmente, estes autores propunham a observação e
reflexão da experiência individual, colocada como ponto de partida da
realidade social. Mesmo caracterizando uma dispersão e isolamento,
evidentes dos pensadores brasileiros, fruto talvez da desintegração da
visão social ampla do séc. XVI (Morse apud Massimi, 2004), algumas
idéias psicológicas são identificadas nesse período através das obras
dos autores citados: o tema da existência humana como transformação,
mudança, movimento; tristeza e pessimismo (marcado pela condição social
que o indivíduo vivenciava na época); o conhecimento humano e suas
limitações; a vaidade do homem apontada como limitação da própria razão
humana, incapaz de atingir a verdade por estar presa à dinâmica das
paixões e, ao que parece o início da apropriação da Psicologia pelas
Ciências Médicas. A obra de Francisco de Mello Franco, por exemplo,
publicada em 1813, trazia como premissa que o estado físico do corpo
tinha grande influência nas manifestações da alma. Em outras palavras,
Mello Franco propunha que a medicina do corpo também daria conta da
medicina da alma (Mello Franco apud Massimi, 2004; p. 61). Mas Mello
Franco apenas antecipou o que seria mais tarde uma realidade no séc.
XIX: a produção do saber psicológico seria gerada no interior de outras
áreas de conhecimento, fundamentalmente na Medicina e na Educação. Este
processo, segundo Antunes (2001) ocorreu em decorrência das profundas
transformações vivenciadas pelo país naquele período: o Brasil passa de
colônia à condição de império, ainda que se mantendo sob o poder da
realeza portuguesa, provocando profundas transformações à sociedade (p.
23). Essas transformações geraram a criação de cursos superiores para
formar indivíduos capazes de dar conta da nova situação do país. Entre
os cursos estavam inseridas as duas escolas médico-cirúrgicas instaladas
em Salvador e no Rio de Janeiro, transformadas em 1832, em Escolas de
Medicina, a Faculdade de Farmácia (1832), as Escolas de Belas Artes
(1877), Direito (1891) e a Politécnica (1897). Essas três últimas
derivaram-se da iniciativa privada, formando em 1946 a recém fundada
Universidade Federal da Bahia (Rocha, 2004; p. 89).
Mas são nas Escolas de Medicina acima
citadas, que se tem registros das primeiras teses publicadas sobre
assuntos psicológicos. Na época, os médicos para adquirirem o título de
doutor, precisavam, como em qualquer profissão nos dias de hoje,
defender uma tese de doutoramento ou inaugural, que lhe conferia o
título. Alguns dos trabalhos encontrados segundo Antunes (2001),
tratavam, grosso modo, de temas relacionados à Psiquiatria, Neurologia,
Neuriatria, Medicina Social e Medicina Legal. No entanto, muitas dessas
teses antecedem a criação formal de uma cátedra afim às questões
psicológicas, já que a primeira delas foi criada em 1881 e denominada de
“Clínica das Moléstias Mentais” e o registro que se tem de teses que
tratam do fenômeno psicológico data de 1836 (p. 27).
Os assuntos mais freqüentes encontrados
nos conteúdos das teses foram amizade, amor, gratidão, amor pela pátria,
sexualidade (cópula, onanismo, histeria, ninfomania, prostituição) e
epilepsia, esta relacionada ao crime (área da Medicina Legal). Mas, foi
só ao final desse período que os temas mais próximos da Psicologia
começaram a surgir, revelando características de maior rigor
metodológico bem como uma base científica mais apurada. Um exemplo foi
uma tese14 defendida no final do séc. XIX, considerada por alguns
autores como sendo o primeiro trabalho de Psicologia Experimental,
baseado em número significativo de dados obtidos experimentalmente com o
uso do psicômetro de Buccola (Antunes, 2001).
A partir daí, encontram-se também teses
na área da Medicina Social, priorizando melhores condições de saneamento
das cidades e saúde da população que, até então, eram extremamente
precárias. Em 1830, também se iniciam as primeiras reivindicações para
criação de hospícios já que “os loucos” eram normalmente encarcerados em
prisões comuns, ou reclusos em celas especiais das Santas Casas ou
ainda, abandonados pelas ruas.
O resultado desse movimento gerou, em
1842, a criação do Hospício Pedro II no Rio de Janeiro. Assim como em
outros países da Europa, “os loucos” eram afastados de sua família, da
sociedade para assumir uma rotina de isolamento, vigilância,
distribuição e organização de tempo com vistas à repressão, controle e
individualização (Antunes, 2001; p.30).
Já no que diz respeito às influências
exercidas pela Educação na produção do pensamento psicológico,
encontram-se as correntes de pensamento herdadas da Europa. O
liberalismo, o positivismo, a forte presença do tomismo e do empirismo, o
espiritualismo francês e o idealismo alemão são algumas das correntes
que constituíram, em seus conteúdos, questões relacionadas à natureza
psicológica. Vale ressaltar que estes conteúdos eram encontrados nos
programas dos cursos superiores criados neste século, sobretudo em obras
filosóficas escritas por teólogos, médicos e professores. Segundo
Antunes (2001), tais obras consideravam a Psicologia como parte
integrante da metafísica, tendo como objetivo de estudo geralmente “a
alma”, “o espírito” e “o eu” (p. 25).
Outra influência apontada pela autora em
relação ao desenvolvimento do pensamento psicológico foi a preocupação
pedagógica da época. Os profissionais designados à educação entendiam
que os métodos de ensino envolviam não só o conteúdo a ser ensinado, mas
principalmente a necessidade de conhecimento sobre o educando e à
formação do educador, o qual deveria dominar esse saber para realizar
mais eficazmente sua ação pedagógica (p. 25). Passa-se a se esboçar,
portanto, uma sistematização que irá assumir dimensões maiores no séc.
XX, buscando maior aprofundamento e especialmente maior rigor
metodológico em seu estudo, o que, historicamente, culmina com o
reconhecimento da Psicologia como ciência na mesma época, na Europa e,
em seguida nos Estados Unidos.
Pode-se dizer, portanto, que a virada do
século caracterizou um intenso desenvolvimento da ciência psicológica
em todas as instâncias, quer no plano teórico, destacando-se a
diversidade de abordagens surgidas nessa época, como o aumento
significativo na produção de pesquisas-quer no plano prático, em que
esta ciência penetrou e ampliou seu potencial de aplicação (Antunes,
2001; p. 37).
Mesmo assim, a Psicologia no Brasil
ainda permaneceu ligada a outras áreas do saber por muitos anos e, só
gradativamente, foi delas se separando e assumindo seu espaço próprio
por meio da definição e delimitação cada vez mais explícitas de seu
objeto de estudo e seu campo próprio de ação.
O Brasil da década de 1930 traz um
cenário de diversas transformações, entre elas o início do processo de
industrialização que acaba mobilizando no país, a necessidade de
otimização do trabalho assim como a eficientização do processo
educacional como uma possibilidade de atender uma parcela significativa
dos problemas referentes à força de trabalho (Mancebo apud Mancebo,
2001). Portanto, as primeiras intervenções psicológicas no Brasil
ocorreram junto aos trabalhadores que, na época, passaram a ser
selecionados para trabalhar nas indústrias e no comércio, a partir da
criação do Departamento do Serviço Público (DASP), no governo Getúlio
Vargas, através de concursos. Cabia à Psicologia avaliar aptidões e
habilidades dos indivíduos como um critério de alocação dos sujeitos no
trabalho promovendo, ao lado do aperfeiçoamento técnico, uma adaptação
mais harmoniosa e produtiva aos cargos e funções (Mancebo, 2001; p.
3-4). Isso significou, do ponto de vista da intervenção, a aplicação de
testes psicológicos e descoberta de aptidões profissionais individuais e
seleção/orientação prévia para o mercado de trabalho. Um exemplo disso
foi o curso ministrado em 1945 na Fundação Getúlio Vargas, pelo
professor Mira y Lopes, figura de relevo internacional no campo da
Psicologia Aplicada ao trabalho, cujo tema foram os problemas
enfrentados em seleção, orientação e readaptação (Mancebo, 2001).
Além deste, outros fatos históricos
auxiliaram no crescimento da Psicologia não só enquanto ciência, mas
enquanto campo de atuação.
Observa-se que houve um amadurecimento
da Psicologia entre 1953 e 1962, período este em que o número de
atividades realizadas aponta para indícios de uma maior organização e
sistematização tanto da área de conhecimento quanto da profissão. Não à
toa, os esforços dos profissionais engajados nessas e outras atividades
resultaram, mesmo com a reivindicação de um grupo de médicos pelo veto
ao exercício da psicoterapia por profissionais que não tivessem formação
em Medicina17, na aprovação da lei nº 4119, em 27 de agosto de 1962,
que reconhecia a profissão de psicólogo no país. Esta lei foi
acompanhada por uma ementa que dispunha sobre os cursos de formação
deste profissional e fixava seu currículo mínimo.
Também em 1962, a Portaria nº 227
baixada pelo Ministério da Educação, designou uma comissão de
professores de Psicologia e de especialistas em Psicologia Aplicada para
apreciar a documentação de candidatos ao registro profissional de
psicólogo. No entanto, por falta de atos complementares à lei, a
comissão não conseguiu dar início às atividades naquele ano, dando
continuidade ao processo apenas em 1963, quando, nova portaria
garantindo as necessidades legais, possibilitou o início dos trabalhos
da comissão que recebeu, só nesta época, 1.511 pedidos para a obtenção
do registro profissional. Estes profissionais, pode-se afirmar, foram os
primeiros psicólogos reconhecidos legalmente no país, cuja formação
superior fora obtida principalmente em Pedagogia e Filosofia permitindo
ao Brasil, o lugar de um dos primeiros países do mundo a aprovar e
regulamentar legalmente a profissão de psicólogo (Massimi, 1990; p. 1).
Mas a luta só estava começando afinal,
da mesma forma que a situação política do país alavancou o
desenvolvimento da Psicologia e seu reconhecimento como profissão, assim
também provocou inúmeras adversidades através dos acontecimentos
ocorridos na época, como por exemplo, o Golpe de 64 e a Reforma
Universitária de 1968.
É, também, no decorrer desse período que
acaba se observando um aumento significativo das Instituições de Ensino
Superior (IES) no setor privado. As IES funcionavam, na maioria das
vezes, em condições precárias oferecendo cursos que não necessitavam
nada mais do que salas de aula e professores, estes últimos nem sempre
possuíam a qualificação esperada para formar novos profissionais
(Antunes, 2004). Ainda assim, a procura pelos cursos superiores aumentou
consideravelmente, da mesma maneira que o interesse pela Psicologia.
Na verdade, pelo fato do curso de
Psicologia não significar, naquela época, muito investimento para as
instituições no que diz respeito a sua estrutura na utilização de
material, equipamentos de laboratório, etc, as IES particulares passaram
a deter o maior número de cursos de Psicologia e conseqüentemente, a
responsabilidade na formação dos futuros psicólogos a caminho do mercado
de trabalho.
Os psicólogos encaminhados ao mercado de
trabalho passaram, então, a responder a uma demanda maior do que a
realidade, provocando saturamento, desemprego quando, não obstante, mão
de obra inadequada apontada por Antunes (2004) quando se refere por
exemplo, à discussão fomentada na época, entre Psicologia e Educação, um
dos primeiros campos de intervenção do psicólogo fora da clínica: ou
seja, de um lado, o conhecimento psicológico estava incorporado aos
diferentes aspectos da Pedagogia e à prática profissional dos
educadores; por outro lado, a atuação do psicólogo na escola estava
muito mais calcada numa perspectiva clínica, ocupando-se do atendimento
individual de crianças designadas como portadoras de problemas de
aprendizagem (Antunes, 2004; p.141).
Não diferentemente do que se esperava,
duras críticas foram feitas, tanto por psicólogos quanto por educadores,
em relação à atuação dos psicólogos na escola apontando para uma
deficiência na adequação do fazer deste profissional. Houve até um
momento, em que muitos dos psicólogos desacreditaram na possibilidade da
Psicologia contribuir com as questões educacionais, o que mobilizou a
inibição de muitos psicólogos, na época, em dar continuidade ao trabalho
na escola, já que a expectativa de sua atuação estava voltada para a
clínica e não para intervenções pedagógicas e coletivas. Os poucos
trabalhos que conseguiram intervir no espaço escolar de maneira mais
ampla, foram aqueles que se firmaram e permitiram ao longo dos anos, o
desenvolvimento da Psicologia Escolar (Antunes, 2004).
Em outras palavras, o exemplo acima
citado serve para demonstrar que todos os campos de atuação delimitados
pela Psicologia ao longo de sua trajetória tiveram seu saber e saber
fazer questionados por outros profissionais que, a princípio se
consideravam, por sua formação e prática, “proprietários” do
conhecimento que caracterizava esses campos.
O problema, no entanto, é que muitas
vezes, os questionamentos acabaram por se concentrar não só no campo das
idéias (delimitação de espaços e habilidades), o que teria contribuído e
muito, para o crescimento de ambos, mas sim, na substituição do
profissional de Psicologia por outro, que se julgava capaz de exercer o
mesmo tipo de trabalho ou intervenção do psicólogo.
Por conta disso e de outros fatores
caracterizados na emergência de discutir o papel do psicólogo nos dias
atuais, a Psicologia se viu com a missão de, não só regulamentar,
legalmente, os campos de atuação do psicólogo, mas, principalmente,
discutir continuamente os saberes que envolvem e alicerçam sua prática.
Esse movimento pode ser comprovado por
diversas publicações, organizadas por profissionais da área, principais
escritores dessa história, que têm produzido conhecimento através de
pesquisas que auxiliam na formalização da atuação do psicólogo nos mais
diversos campos nos quais têm atuado, ultimamente, incluindo aqueles
que, há algum tempo atrás, não eram reconhecidos como possibilidade para
o psicólogo. É o caso da Psicologia do Trânsito, Psicologia Jurídica,
Psicologia do Esporte (tema desse curso), entre outros.
Psicologia do Esporte no Brasil
Psicologia do Esporte no Brasil: trajetória e rumos de um campo em construção
Para se compreender a Psicologia do
Desporto, quer quanto às teorias que a fundamentam, como quanto a sua
aplicação prática, é necessário perceber em que consiste o seu conceito,
qual o seu percurso histórico e o seu estado actual (Araújo, 2002; p.
9).
Ao iniciar esta lição citando Araújo, in Serpa e Araújo (2000), é possível perceber que a preocupação com a Psicologia do Esporte não se restringe apenas aos profissionais que compõem o cenário brasileiro. Profissionais de outros países, já há algum tempo, têm desenvolvido trabalhos e pesquisas na tentativa de delinear e compreender o perfil da Psicologia do Esporte dentro de sua realidade específica.
Sendo assim, sem isentar fatos e
acontecimentos de outros países que tenham influenciado, em algum
momento, a história da Psicologia do Esporte no mundo e, em particular, a
“nossa história”, o presente capítulo tem como objetivo definir e
compreender a trajetória da Psicologia do Esporte no Brasil,
identificando em que bases se alicerçam seus fundamentos teóricos, como
tem se constituído seu processo de evolução ao longo do tempo até os
dias de hoje, assim como as necessidades contempladas em função do seu
contínuo crescimento.
Para tal, acredita-se que o ponto de
partida para contar essa história se inicie, a partir do que a
literatura nacional traz a respeito da definição de Psicologia do
Esporte. No entanto, acredita-se ser importante considerar, antes de
recorrer às definições de autores nacionais a respeito do tema, que
existem inúmeras definições sobre Psicologia do Esporte. Algumas,
inclusive, encontram-se concentradas em capítulos de duas publicações da
literatura nacional que também discutem a história e o papel da
Psicologia do Esporte no Brasil: Barreto (2003) e Franco (2004). Veja
quadro a seguir:
Nomes dos autores estrangeiros e nacionais que definem a Psicologia do Esporte
De acordo com o quadro acima, é possível
contabilizar em Barreto (2003; p. 62-63) 12 definições sobre Psicologia
do Esporte. Destas 12 definições, no entanto, apenas três são de
autores nacionais: Da Silva (1967), Becker Jr. (2000) e Barreto (2001).
Já Franco (2004; p. 34-36), apresenta 16 definições sobre o tema e, da
mesma forma que em Barreto (2003), apenas três delas são referência
nacional: Samulski (1992), Machado (1997) e Becker Jr. (2000). Também é
possível observar, a partir desses dados, que tanto Barreto (2003)
quanto Franco (2004), têm 6 citações de autores em comum, como Lawther
(1972; 1973), Singer (1977; 1978)21; Thomas (1983; 1983), Cratty (1984;
1989), Casal (1996; 1996), além de Becker Jr. (2000; 2000).
Não seria possível afirmar, mas talvez
levantar a hipótese de que estes seis autores poderiam ser aqueles cujas
definições de Psicologia do Esporte aparecem com maior freqüência nas
publicações sobre o assunto. Além disso, um outro dado importante e este
sim, relevante à discussão que se propõe aqui, é com relação aos
autores nacionais. De acordo com o Quadro anterior, ao somar os autores
nacionais citados por Barreto (2003) e Franco (2004), obtêm-se cinco
definições sobre Psicologia do Esporte (incluindo Becker Jr.), comum
para ambos os autores, num período que vai de 1968 (Da Silva) até 2000
(Becker Jr.). Ou seja, em 38 anos, de acordo com estes autores, a
Psicologia do Esporte no Brasil foi definida de cinco formas diferentes o
que, num primeiro momento, pode refletir não só a diversidade, mas a
dificuldade de se chegar a um consenso sobre então o que é a Psicologia
do Esporte?
Mesmo Franco (2004), ao discutir as
diferentes definições sobre Psicologia do Esporte, já aponta para essa
preocupação sobre as divergências encontradas na compreensão desta jovem
ciência. Segundo a autora, um dos motivos que levaria a essa realidade é
que, ao se deparar com diferentes definições, depara-se
conseqüentemente, com a forma como cada autor enxerga a Psicologia do
Esporte, seus objetivos e aplicação.
Nesse caso, levando-se em conta os dados
apresentados no Quadro anterior, haveria ainda 22 definições, ou
melhor, 22 autores diferentes definindo a Psicologia do Esporte, de
acordo, não só com sua formação teórica, mas a realidade na qual esse
autor está inserido, cultura, experiência prática e etc.
Vale relembrar, no entanto, que este
capítulo não tem como objetivo discutir toda e qualquer definição dada
para a Psicologia do Esporte ao longo de quase 100 anos (se levar em
conta o primeiro encontro científico realizado em 1913, em
Lausane-Suíça), o que, só pela sua extensão, já acarretaria num novo
curso, mas sim, propor a reflexão e discussão sobre a Psicologia do
Esporte no Brasil, tomando-se como base publicações nacionais mais
recentes como Becker Jr. (2000), Samulski (2002), Barreto (2003) e
Franco (2004) que trazem, em suas obras, definição e discussão sobre o
tema em questão.
Sendo assim, ao se deparar com as
definições dadas por estes autores sobre Psicologia do Esporte, já é
possível observar diferenças, ou na forma como os mesmos definem a
Psicologia do Esporte, ou na escolha que realizam de definições já
publicadas por outros autores. Veja a seguir:
É a disciplina que investiga as causas e os efeitos das ocorrências psíquicas que apresenta o ser humano antes, durante e
após o exercício ou o esporte, sejam estes de cunho educativo, recreativo, competitivo ou reabilitador (Becker, 2000; p. 19).
após o exercício ou o esporte, sejam estes de cunho educativo, recreativo, competitivo ou reabilitador (Becker, 2000; p. 19).
A Psicologia do Esporte representa uma das disciplinas da Ciência do Esporte e constitui um campo da Psicologia Aplicada.
Segundo Nitsch (1989:29) a “Psicologia do Esporte analisa as bases e efeitos psíquicos das ações esportivas, considerando por um lado, a análise de processos psíquicos básicos (cognição, motivação, emoção) e, por outro lado, a realização de tarefas práticas do diagnóstico e da intervenção” (Samulski, 2002; p. 3).
Segundo Nitsch (1989:29) a “Psicologia do Esporte analisa as bases e efeitos psíquicos das ações esportivas, considerando por um lado, a análise de processos psíquicos básicos (cognição, motivação, emoção) e, por outro lado, a realização de tarefas práticas do diagnóstico e da intervenção” (Samulski, 2002; p. 3).
A Psicologia do Esporte é a ciência do comportamento que visa auxiliar e exercitar o treinador e os atletas de alto rendimento, através de uma metodologia de preparação psicológica, voltada para o desenvolvimento e aprimoramento das habilidades psicomotoras no tocante à auto-eficácia e à auto-eficiência, na adaptação ao estresse pré-competitivo e, como principal meta, capacitá-los cognitiva, emocional e psicomotoramente, no enfrentamento adaptativo do estresse agonístico, na busca da máxima eficiência nas suas performances (Barreto apud Barreto, 2003; p. 62).
A Psicologia do Esporte se interessa pelos fatores psicológicos que influenciam a prática do esporte e do exercício físico, assim pelos efeitos psicológicos que derivam dessa participação (Williams apud Franco, 2004; p. 35).
Baseando-se nessas definições acima descritas, é possível identificar contradições e semelhanças a respeito do que é e a que se propõe a Psicologia do Esporte no Brasil.
Segundo Becker Jr. (2000), por exemplo, a
Psicologia do Esporte denominada por ele de Psicologia Aplicada ao
Esporte e ao Exercício é uma disciplina científica, cujo campo
profissional está associado a três áreas distintas: Prática do exercício
e do esporte, Psicologia e outras ciências. Ou seja, segundo este
autor, há uma subdivisão clara da Psicologia do Esporte: em primeiro
lugar, a Psicologia associada à prática de exercício e esporte estaria
estudando questões emocionais originadas pelo praticar exercício e/ou
esporte. Nessa direção, afirma Becker Jr.: A Psicologia objetiva também,
estudar o efeito do exercício sobre a área emocional do ser humano
normal como aquele portador de patologias (2000, p. 20). Em segundo
lugar, submetida à área da Psicologia, a Psicologia do Exercício e
Esporte fudamentaria-se nas diferentes linhas da Psicologia e, de um
modo geral, como subdisciplina desta, contribuiria para seu maior
entendimento (p. 20). E, em terceiro e último lugar, submetida ao que o
autor chama de outras ciências, a Psicologia do Exercício e do Esporte
ocuparia o lugar de uma disciplina entre as ciências do Movimento Humano
e as Ciências do Esporte. Em outras palavras, o profissional em atuação
nesta área poderia ganhar conhecimento específico através de
investigações, utilizando abordagens interdisciplinares, ou seja, usando
o conhecimento de outras ciências (p. 20).
Aparentemente, a definição dada por
Becker Jr. (2000), parece ser, à primeira vista, a que mais abrange
possibilidades de intervenção para a Psicologia do Esporte, não fossem
algumas questões que merecem ser levantadas. A primeira se refere à
afirmação do autor em relação à Psicologia do Esporte como sendo uma
disciplina e não um campo de intervenção da Psicologia como já
reconhecido e mencionado ao longo deste trabalho. Isso significa que, no
papel de disciplina e não de campo de intervenção, a Psicologia do
Esporte poderia estar inserida em qualquer área, cujos interesses estão
relacionados ao seu conteúdo, portanto, às Ciências do Movimento Humano e
às Ciências do Esporte, como o próprio Becker Jr. afirma (2000; p. 20).
Como conseqüência, ao assumir essa
posição, a Psicologia do Esporte, neste sentido, seria vista apenas como
uma disciplina acadêmica, cujo conteúdo abrangeria teorias e métodos
que permitissem ao aluno aprender como lidar emocionalmente com um
indivíduo que pratica exercício ou esporte, já que as ciências acima
citadas são ciências que reconhecem a Educação Física como uma de suas
áreas (Reis, 2002; Tubino, 2002). Nesta mesma linha de raciocínio, ainda
Becker Jr. teria estabelecido a Psicologia do Esporte como
subdisciplina da Psicologia, ou seja, como uma nova disciplina submetida
a uma outra, dentro da própria Psicologia.
A Psicologia do Esporte, portanto, seria
tanto uma disciplina da Psicologia como da Educação Física e, dessa
forma, tanto psicólogos como educadores físicos poderiam aprender e
desenvolver trabalhos nesta área (?), campo (?), disciplina (?) ou
subdisciplina (?).
Já a definição de Samulski (2002), além
de demonstrar a influência de um autor estrangeiro (Nitsch), estabelece
que a Psicologia do Esporte é uma disciplina das Ciências do Esporte e
um campo da Psicologia aplicada. Ao fazer essa afirmação, o autor assume
que a Psicologia do Esporte está inserida em duas áreas distintas da
ciência que contêm, em suas características, referenciais teóricos e
conteúdos bastante diferenciados.
Um outro aspecto a ser levantado é que,
ao endossar a afirmação de Nitsch que, a “Psicologia do Esporte analisa
as bases e efeitos psíquicos das ações esportivas, considerando por um
lado, a análise de processos psíquicos básicos (cognição, motivação,
emoção) e, por outro lado, a realização de tarefas práticas do
diagnóstico e da intervenção”, Samulski defende um fazer da Psicologia
do Esporte, inicialmente, voltado apenas ao alto rendimento, já que o
mesmo não esclarece o que ele denomina de “ações esportivas”, ou seja,
se essas ações são apenas voltadas à competição ou também se incluem
ações de lazer e saúde.
A terceira definição aqui relacionada é a
definição de Barreto (2003). Essa definição já deixa explícito que não
existe qualquer outro fazer da Psicologia do Esporte que não seja o do
alto rendimento. Sem hesitação, o autor afirma que o trabalho de
intervenção está focado diretamente para o desenvolvimento e
aprimoramento das habilidades psicomotoras no tocante à auto-eficácia e à
auto-eficiência, na adaptação ao estresse pré-competitivo e, como
principal meta, capacitá-los cognitiva, emocional e psicomotoramente, no
enfrentamento adaptativo do estresse agonístico (p. 62). Qualquer que
seja o trabalho de orientação psicológica, este deve estar voltado ao
sucesso e à superação do atleta, visando sempre a máxima eficiência nas
suas performances. Em outras palavras, a Psicologia do Esporte, baseada
nesta definição, não teria espaço no esporte de reabilitação, atividade
física, projeto social e etc, ou, se abrangesse todas essas
possibilidades, talvez não se chamasse Psicologia do Esporte.
Ainda em Barreto (2003), um outro dado
importante que aparece na sua definição é quando afirma que a Psicologia
do Esporte é a ciência do comportamento. Se analisado por esse prisma, é
possível sugerir duas interpretações: a primeira é de que, sendo uma
ciência do comportamento, a Psicologia do Esporte poderia estar inserida
em qualquer uma das ciências reconhecidas como ciências do
comportamento como a Antropologia, Sociologia e a própria Psicologia
(que teve sua origem, inicialmente, como ciência do comportamento
através dos experimentos realizados em laboratório no final do séc XIX).
Em segundo lugar, essa afirmação também pode levar ao entendimento de
que a Psicologia do Esporte seria uma ciência relacionada à Análise do
Comportamento, ou seja, uma das abordagens reconhecidas dentro da área
da Psicologia voltada a estudar, especificamente, o comportamento do
indivíduo.
No entanto, avançando um pouco mais na
obra de Barreto (2003), em um capítulo denominado Campos Psicológicos
como base da Psicologia Esportiva, é possível encontrar uma postura mais
flexível e, ao mesmo tempo, mais determinada do autor, a respeito da
Psicologia do Esporte. Afirma Barreto: o esqueleto da psicologia
esportiva repousa na riqueza científica das psicologias aplicadas (p.
67). Ou seja, para ele, são os vários campos da Psicologia aplicada que
irão alicerçar as bases científicas da Psicologia do Esporte fornecendo,
através da sua diversidade, contribuições significativas no que diz
respeito ao fazer e ao saber fazer do psicólogo esportivo e por que não
do educador físico que, segundo Barreto (2003), costuma usar princípios
da Teoria do Reforçamento Contínuo e Intermitente nos seus ensinamentos,
na tentativa de motivar o atleta a um desempenho melhor na aprendizagem
de sua habilidade técnica (p. 68). Um pouco mais adiante reafirma: um
treinador inteligente ajuda o atleta a manter-se dentro dos níveis de
sua realidade técnica, encorajando-o a obter mais progressos nas metas
estabelecidas (p. 69).
Estas duas frases estão incluídas na
explicação dada pelo autor sobre as contribuições de um dos campos da
Psicologia à Psicologia do Esporte, a Psicologia Experimental. Além
deste, são ainda citados os campos da Psicologia do Desenvolvimento,
Psicologia da Personalidade, Psicologia Educacional, Psicologia Social e
Psicologia Clínica. Portanto, para Barreto (2003), a Psicologia do
Esporte está voltada ao alto rendimento e, sua base teórica é formada,
principalmente, pela contribuição advinda dos vários campos aplicados da
Psicologia.
A quarta e última definição não é de
autoria de Franco (2004). Na verdade a autora, como já mencionado
anteriormente, ao discutir as diferentes definições da Psicologia do
Esporte, deixa clara sua preferência pela definição de Williams (1991).
Segundo ela, a Psicologia do Esporte ainda é vista por alguns autores
como diagnosticadora de percalços esportivos (p. 37), isso quer dizer,
voltada apenas a diagnosticar causas de uma enfermidade sem valorizar o
fator prevenção. Por conta disso, sua escolha por Williams (1991) se deu
pelo fato de acreditar que sua definição abarca tanto a aplicação da
Psicologia do Esporte no contexto esportivo como na atividade física,
fatores importantes que alguns autores ainda excluem; e, além disso,
considera a influência recíproca entre os efeitos psicológicos e a
prática do esporte ou do exercício físico, isto é, tanto o esporte
quanto o exercício interferem no psiquismo como este pode alterar a
prática física (p.33).
O mesmo, no entanto, não pode ser
observado nas outras três definições apresentadas por Becker Jr. (2000),
Samulski (2002) e Barreto (2003). Nenhuma delas consegue se sustentar
por si só. Todas, na verdade, acabam se complementando de uma forma ou
outra. Em Becker Jr. (2000) e Samulski (2002), por exemplo, encontram-se
pontos comuns: ambos classificam a Psicologia do Esporte não como um
campo da Psicologia, mas como uma disciplina das Ciências do Esporte; já
as definições de Becker Jr. (2000), Samulski (2002), Barreto (2003) e
Williams apud Franco (2004) afirmam que a Psicologia do Esporte
investiga, analisa, auxilia e se interessa pelas causas e efeitos dos
fatores psíquicos que ocorrem com o atleta.
Das quatro definições, no entanto,
apenas Becker Jr (2000) e Williams apud Franco (2004) abordam a
Psicologia do Esporte voltada não só para o esporte de alto rendimento,
mas também à atividade física, ou seja, a quem apenas pratica um
exercício, seja por saúde ou lazer. Nos dois outros autores, Samulski
(2002) e Barreto (2003), fica claro que a Psicologia do Esporte está
voltada para atletas de alto rendimento, enfocando auto-eficácia,
melhora da performance e etc.
Diante dessa realidade, de semelhanças e
contradições apresentadas até o momento, torna-se difícil não
evidenciar a dificuldade de se definir a Psicologia do Esporte e,
conseqüentemente, delimitar seu público alvo, assim como os
profissionais aptos a exercer o trabalho de intervenção. Na mesma
proporção, não bastando diferentes definições, ainda existem diferentes
denominações.
Alguns autores como Becker Jr (2000) e
Samulski (2002) costumam usar, para se referir à Psicologia do Esporte o
nome Psicologia do Exercício e Esporte ou Psicologia do Esporte e do
Exercício; outros preferem apenas utilizar Psicologia do Esporte ou
ainda Psicologia aplicada ao esporte e, talvez, o que cause maior
discussão seja a denominação Psicologia no esporte. Isso porque, na
verdade, a questão não se resume a apenas um nome, mas sim ao que ele
pode abranger a partir de sua denominação.
Já fora do Brasil, por exemplo, os
termos utilizados normalmente, são Psicologia do Esporte e do Exercício
(Sport and Exercise Psychology) e Psicologia do Esporte (Sport
Psychology). Mesmo não incluindo o termo Exercício, a segunda
denominação não traz contradições na sua definição, quando comparada à
primeira. Tampouco, encontram-se discussões em torno da preposição do ou
no em Psicologia do Esporte. Este fato pode significar que, em outros
países, a Psicologia do Esporte conserva a mesma identidade, no que diz
respeito a objetivos e público alvo. Um exemplo que comprova essa
afirmação se encontra em Araújo (2002), autor português, citado no
início desse capítulo, que procurou, através das definições de autores
como Feltz (1992); Gill apud Feltz (1992), Cratty apud Feltz (1992),
Singer (1993) e a Federação Européia de Psicologia do Esporte e das
Atividades Corporais (FEPSAC) (1995), investigar também o que constituía
a Psicologia do Esporte para esses autores.
A conclusão a que Araújo (2000) chegou a
partir das definições dos autores e Federação Européia de Psicologia
foi a seguinte: de que, a própria FEPSAC, enquanto Federação Européia de
Psicologia do Esporte e das Atividades Físicas, criada em 1968 durante o
primeiro Congresso Europeu de Psicologia do Esporte, em Varna
(Bulgária), com o objetivo de sossegar as divergências até então
apontadas pelos autores acima citados pelo autor (p. 10), emitiu sua
própria definição de Psicologia do Esporte:
A Psicologia do Esporte diz respeito
aos fundamentos psicológicos, processos e conseqüências da regulação
psicológica de atividades relacionadas ao esporte, tendo como sujeitos
dessa atividade uma ou mais pessoas. O foco pode ser um comportamento ou
aspecto (dimensão) psicológico do comportamento humano, seja ele
afetivo, cognitivo, motivacional ou sensório-motor. A atividade física
pode acontecer num contexto competitivo, educacional, recreativo,
preventivo e de reabilitação, incluindo exercícios realizados para
saúde. Os sujeitos são todas as pessoas envolvidas em diferentes
contextos do esporte e do exercício como atletas, treinadores, juízes,
professores, fisioterapeutas, pais, espectadores, etc.
(tradução livre)
(tradução livre)
Segundo Araújo (2000), essa definição
conseguiu satisfazer os dois lados possíveis da Psicologia do Esporte no
que diz respeito ao seu objetivo e intervenção: o esporte competitivo e
a atividade física, esta última não visando ao rendimento, mas sim, à
educação, à recreação, à saúde, ao lazer e à reabilitação.
Já em termos de Brasil, o que se
encontra em termos de órgãos representativos da Psicologia do Esporte é
bem restrito. Além Sociedade Brasileira de Psicologia do Esporte, da
Atividade Física e da Recreação (SOBRAPE), criada em 1979, em Novo
Hamburgo-RS, a Sociedade Mineira de Psicologia do Esporte e a Sociedade
Gaúcha de Psicologia do Esporte e do Exercício (SOGAPE) e, a Associação
Brasileira de Psicologia do Esporte (ABRAPESP), criada em 2003, durante o
I Simpósio de Psicologia do Esporte, promovido pelo Instituto Sedes
Sapientiae, em SP.
Vale ressaltar, porém, que apenas a
Sociedade Mineira de Psicologia do Esporte e a SOGAPE aparecem
cadastradas no site da SOBRAPE, recentemente desenvolvido. E aqui é
importante um parêntese em relação a essa questão: não fica claro se, a
existência de apenas duas Sociedades registradas no site se deve ao fato
da pouca divulgação sobre o mesmo, ou se, até hoje, após 26 anos, só
estas duas Sociedades se credenciaram.
De qualquer forma, essa iniciativa da
SOBRAPE, de criar um site, representa um movimento importante na direção
de tornar essa Sociedade mais acessível aos interessados em Psicologia
do Esporte e aos profissionais que atuam e/ou contribuem nesse campo.
Resta só saber, se o mesmo também irá
ajudá-la a se reafirmar enquanto órgão oficial, ajudando-a a cumprir os
objetivos a que tem se proposto desde 1979: dar oportunidade aos
profissionais integrados ao esporte reunirem-se e multiplicarem seus
conhecimentos entre si (Becker Jr., 2000; p. 116).
Se isso se concretizar, é possível que
essa atitude não corra o risco de se constituir em mais uma iniciativa
isolada como inúmeros endereços virtuais que trazem informações sobre
Psicologia do Esporte e que foram em sua maioria, iniciativas
individuais de profissionais que decidiram compartilhar suas
experiências e conhecimento numa época em que não existia nenhum site
oficial que suprisse as expectativas e dúvidas de pessoas interessadas
em Psicologia do Esporte, pelo menos, em termos de Brasil.
Hoje, pode-se afirmar que, além da
SOBRAPE, sites oficiais como dos Conselhos Federal e Regional de
Psicologia (www.pol.org.br e www.crpsp.org.br , respectivamente) trazem,
desde 2001, quando foi aprovado o título de especialista em Psicologia
do Esporte, informações sobre cursos, código de ética e formação do
psicólogo esportivo. Mas nem sempre foi assim. Ou seja, ao longo desses
48 anos, isso significa, desde de 1957, quando o psicólogo João
Carvalhaes começou a desenvolver um trabalho de orientação psicológica
com os jogadores do São Paulo Futebol Clube e, mais tarde na Seleção
Brasileira de Futebol (Rubio, 2000), os profissionais da área têm se
mostrado com ótimas intenções para tornar a Psicologia do Esporte no
Brasil, um campo reconhecido com sujeitos, método e intervenção
determinados. E, seria no mínimo, infame, afirmar o contrário.
No entanto, ao que parece, mesmo com
todos os esforços, a Psicologia do Esporte tem se desenvolvido apenas
dentro de núcleos. Ou seja, é possível identificar grandes avanços
dentro da Psicologia do Esporte em São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio
Grande do Sul e alguns outros mais modestos, nas regiões norte e
nordeste do país. Mas a interrelação que deveria existir entre esses
núcleos é mínima, o que, sem discussão, influencia diretamente os canais
de comunicação voltados a germinar novos seguidores. Por conta disso, é
reforçado o desejo de não se perpetuar iniciativas isoladas.
Alguns autores da Psicologia do Esporte
no Brasil compartilham dessa preocupação e ressaltam suas expectativas
em relação à solidificação da área, entre eles Brandão (1995), Machado
(1997), De Rose Jr. (2000) e Rubio (2000a). Veja o que eles dizem:
...Uma das funções da Sociedade
Brasileira de Psicologia do Esporte deve ser a de discutir e clarificar
quem é tecnicamente e legalmente capacitado ou qualificado para aplicar
os princípios psicológicos a atividade física e ao esporte, qual a
formação profissional mínima requerida para o desempenho profissional,
seja ele acadêmico ou aplicado. Esta preocupação se deve ao fato de que a
Psicologia do Esporte no Brasil precisa ser reconhecida como ciência e
como campo profissional de trabalho. Este reconhecimento é que levará a
identificação e delineamento de todos os tipos de contribuição e
interfaces da Psicologia do Esporte (Brandão, 1995; p. 142).
Pela sua pequena história
acredita-se que a Psicologia do Esporte está principiando um caminho
promissor, no aguardo do reconhecimento que merece, tendo em vista a
dialética trajetória assumida, de questionamentos geradores de respostas
que precipitam novas questões...Os esforços e a seriedade a que se
prende quem assume a área serão responsáveis pela sua divulgação e
crescimento, independendo da formação inicial do pesquisador e da área
de atuação a que se atem, transitando livremente pelo esporte escolar,
passando pelas atividades livres e esporádicas da recreação e do lazer,
até atingir o esporte competitivo, de resultados olímpicos (Machado,
1997; p.18).
Discutir, participar de fóruns de
debates, unir-se a grupos de estudos, elaborar projetos de pesquisa,
publicar (trabalhos, artigos e livros), unir esforços e colocar à
disposição de todas as experiências adquiridas no decorrer do tempo
talvez sejam as melhores estratégias para a consolidação de uma área tão
importante e rica, como a Psicologia, no contexto esportivo (De Rose
Jr., 2000; p. 35).
...Só poderemos falar de uma Psicologia do Esporte brasileira quando sua diversidade tiver sido compartilhada e
discutida nas diversas regiões do país, assentada no conhecimento e na realidade produzido por nós (Rubio, 2000a; p. 128).
discutida nas diversas regiões do país, assentada no conhecimento e na realidade produzido por nós (Rubio, 2000a; p. 128).
O posicionamento desses autores deixa evidente algumas necessidades emergentes da Psicologia do Esporte que merecem ser discutidas e aprofundadas. Mas antes de fazê-lo, acredita-se ser importante resgatar um pouco da história da Psicologia do Esporte no Brasil baseando-se, principalmente, nos eventos ocorridos ao longo desses anos e que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a sua divulgação.
Vale ressaltar que o critério aqui
escolhido parte da constatação de que a Psicologia do Esporte brasileira
não dispõe, como em outros países, de uma cronologia de acontecimentos
regulares, que pudessem contemplar uma divisão histórica em períodos
como a realizada por Araújo (2002) para a compreensão dos fatos que
influenciaram a Psicologia do Esporte em Portugal. O autor, também na
busca de compreender a sua realidade, baseando-se em outros dois autores
Cruz-Féliu (1991) e Brito (1996), propôs 6 períodos de divisão para a
história da Psicologia do Esporte: Raízes da Psicologia do desporto (até
1919); Antecedentes preparatórios da Psicologia do desporto
(1920-1945); Emergência da Psicologia do desporto (1946-1964); Autonomia
da Psicologia do desporto (1965-1981); Especificação da Psicologia do
desporto (1982-1992) e Integração da Psicologia do desporto (1993 até
hoje 2002). No caso do Brasil, no entanto, este tipo de divisão seria
quase impossível, uma vez que, como já dito anteriormente, o primeiro
fato reconhecido, que comprova os primeiros sinais de uma intervenção
psicológica voltada ao esporte, ocorreu só em 1954.
Sendo assim, ao relatar a história da
Psicologia do Esporte brasileira, preferiu-se não optar por nenhuma
divisão específica, discorrendo e discutindo, apenas, seus principais
fatos históricos até os dias de hoje. Para isso foram usadas as
seguintes fontes de consulta: Brandão (1995); Machado (1997); Rubio
(2000; 2000a); Abdo (2000a); Becker Jr. (2000a; 2000); Epiphanio (2001);
Rodrigues (2003); Barreto (2003) e Franco (2004).
Neste sentido, é possível afirmar que,
de acordo com os autores, o primeiro grande acontecimento que inaugurou
uma nova prática na história da Psicologia no Brasil, foi o trabalho
realizado pelo psicólogo João Carvalhaes, na década de 50 [1950]. Vale
ressaltar aqui, que sua importância não se deu apenas pelo fato de ser
uma intervenção inédita, mas principalmente por que a Psicologia, até
então, ainda não tinha sido reconhecida legalmente como profissão no
país (ver p. 61).
Segundo Epiphanio (2001) e Becker Jr.
(2000), João Carvalhaes começou, em 1954, a desenvolver um trabalho com
árbitros de futebol, no Departamento de Árbitros da Federação Paulista
de Futebol. Posteriormente, Carvalhaes trabalhou com os jogadores do São
Paulo Futebol Clube, onde permaneceu por 17 anos, além de acompanhar a
Seleção Brasileira de Futebol rumo à Copa de 1958. Naquela época, o
Brasil foi o único país a ter um psicólogo como integrante de sua
delegação, mas este fato, ao contrário do que se esperava, trouxe
diversas críticas pelo fato de Carvalhaes ter, em suas avaliações
psicológicas, considerado jogadores como Pelé e Garrincha, inaptos para
comporem a equipe do Brasil (Epiphanio, 2001; p. 11). Em outras
palavras, considerar jogadores de talento reconhecidos como inaptos a
fazer parte da Seleção Brasileira era inexplicável, principalmente
porque tanto Pelé quanto Garrincha foram os responsáveis por diversos
gols que levaram o Brasil a ser campeão.
De qualquer forma, independente desse
acontecimento, o psicólogo do São Paulo Futebol Clube participou de
vários eventos científicos, incluindo o VI Congresso Interamericano de
Psicologia, em 1959, no Rio de Janeiro com o trabalho Experimentações
Psicológicas no Esporte e o II Congresso Mundial de Psicologia do
Esporte ocorrido em Washington em 1969, com a apresentação do trabalho
Correlação entre o estado psicológico e o rendimento do atleta de
futebol (Abdo, 2000a; p. 15). Em 1974, publicou o livro Psicologia no
Futebol onde descreveu o trabalho realizado nesta modalidade e suas
demais particularidades (Rubio, 2000a).
O segundo psicólogo a desenvolver um
trabalho com a Seleção Brasileira de Futebol foi Athayde Ribeiro da
Silva, na Copa de 1962 que ocorreu no Chile. Segundo Barreto (2003), Da
Silva chegou até a formalizar a criação de uma Sociedade Brasileira de
Psicologia do Esporte, no Rio de Janeiro, mas nunca chegou a
regularizá-la (p. 47). No entanto, suas contribuições ao longo dos anos
foram bastante importantes. Entre elas é possível citar a publicação do
primeiro livro de Psicologia do Esporte, Futebol e Psicologia, escrito
em parceria com outro psicólogo Emílio Mira, em 1964; sua participação,
em 1965, do I Congresso Mundial de Psicologia do Esporte, em Roma, com o
trabalho Observações sobre Psicologia aplicada ao Futebol [também neste
Congresso, foi criada a Sociedade Internacional de Psicologia do
Esporte (ISSP- International Society of Sport Psychology)], sociedade
esta que, até hoje, cumpre a missão de facilitar o intercâmbio entre
profissionais e estabelecer um intervalo de quatro anos entre um
congresso mundial e outro (Rodrigues, 2003; p. 19); também em 1965,
publicou seu segundo livro Psicologia esportiva e a preparação do
atleta, no qual buscava ampliar a aplicação da Psicologia a outras
modalidades que não apenas o futebol.
Já sob um enfoque mundial, se fosse
feita uma comparação, neste período (entre 1945 e 1964), enquanto o
Brasil vivenciava suas primeiras experiências com profissionais da
Psicologia no Esporte,
vários acontecimentos ocorridos tanto na Europa como nos Estados Unidos
demonstravam que a Psicologia do Esporte se tornava um campo importante
de pesquisa, teorias e métodos específicos voltados ao esporte. Veja
quadro a seguir, de acordo com Araújo (2002; p. 18):
Acontecimentos que possibilitaram a emergência da Psicologia do Esporte
Segundo o próprio Araújo (2002), todos
esses acontecimentos acima relatados ocorreram em decorrência do término
da II Guerra Mundial que, apesar de ter interrompido o movimento
desportivo, aperfeiçoou as técnicas de treino possibilitando o
surgimento, no início dos anos 50, de um grande número de laboratórios
nas universidades com o objetivo de pesquisar a Psicologia do Esporte.
Ainda afirma o autor: nos anos 70, nos EUA, ao mesmo tempo em que
diminuía o interesse pela aprendizagem motora por parte dos psicólogos,
aumentava o número de profissionais de educação física interessados pelo
tema, nomeadamente por stress, rendimento desportivo e sobre as funções
do treinador (p.17).
De volta ao Brasil, afirmam Brandão
(1995), Abdo (2000a) e Rúbio (2000a) que a década de 70[1970] foi um
período em que a Psicologia do Esporte foi ampliada através da
participação de diversos psicólogos em modalidades esportivas, dando
destaque para o futebol, até pelo fato que, talvez, além de algumas
referências já publicadas sobre o assunto (Carvalhaes e Da Silva), o
futebol foi e continuará sendo o cartão de visitas do Brasil, dentro e
fora do país, dadas as influências culturais e principalmente os
excelentes jogadores, que hoje são vendidos por preços exorbitantes para
clubes estrangeiros.
Em 1971, o psicólogo João Serapião
realizou um trabalho de acompanhamento psicológico junto ao Guarani
Futebol Clube, em Campinas-SP. Em 1973, o médico psiquiatra e
psicanalista Dr. Paulo Gaudêncio trabalhou com Sport Club Corinthians
que, logo após em 1982, contratou outro médico psiquiatra para exercer o
trabalho de orientação psicológica, o Dr. Flávio Gikovate.
Porém, é a partir de 1976 que a
Psicologia do Esporte alcança outras modalidades esportivas, que não só o
futebol. Segundo Abdo (2000a) e Rubio (2000a), o responsável por tal
iniciativa foi o psicólogo Mauro Lopes de Almeida que passou a
desenvolver, junto ao Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa, em São
Paulo, um trabalho de acompanhamento psicológico. Neste ano também,
começou a ser desenvolvido no CELAFISCS, o setor de Psicologia aplicado
ao esporte, coordenado pela psicóloga Sandra Cavasini. Esta última,
citada por Becker Jr. (2000) como sendo uma das psicólogas que compôs o
trio de psicólogos da segunda geração no Brasil (1975). Os outros dois
psicólogos citados pelo autor são João Alberto Barreto, no Rio de
Janeiro e o próprio autor, no Rio Grande do Sul (p. 27-28). Ainda de
acordo com Becker Jr. (2000), a partir de 1975, quase todo o evento
científico de Educação Física, Esporte ou Medicina do Esporte, passou a
ter a participação da Psicologia do Exercício e do Esporte nas suas
sessões (p. 28).
Por conta disso talvez, e pelo aumento
de profissionais envolvidos com Psicologia do Esporte no país, em 1979
foi fundada a SOBRAPE, como já mencionado, anteriormente, cujo
presidente-fundador foi o psicólogo Benno Becker Jr., permanecendo neste
cargo até 2002. O atual presidente desta Sociedade é o Prof. Dr.
Dietmar Samulski. O primeiro evento realizado pela SOBRAPE foi o I
Congresso Brasileiro de Psicologia do Esporte, ocorrido em 1981, em
Porto Alegre-RS, com a participação de 1700 profissionais de toda a
América Latina (Becker Jr, 2000).
De acordo com Becker Jr. apud Becker Jr.
(2000), esse evento foi marco fundamental para o desenvolvimento da
Psicologia do Exercício e Esporte na América Latina, pois os contatos
entre profissionais das Ciências do Esporte de inúmeros países foram a
base para o planejamento de futuras realizações. Começaram, então, a
serem criadas as sociedades estaduais brasileiras bem como as de vários
países da América Latina (p. 28). Porém, por problemas internos e
estruturais aponta Rubio (2000a), a maioria delas não conseguiu se
manter atuante, levando muitos psicólogos e profissionais de educação
física a um desconhecimento de sua existência ou efetividade (p. 24).
Portanto, de acordo com os dados
levantados até o momento, é fato que a Psicologia do Esporte no Brasil
está, por assim dizer, ensaiando seus primeiros passos, ainda que num
movimento incerto, mas ao mesmo tempo, promissor, no que diz respeito ao
empenho dos profissionais. É fato, também, que se no Brasil (década de
60 [1960]) começava-se a falar e discutir essa “tal” Psicologia do
Esporte, na Europa, URSS e EUA, os acontecimentos que ocorreram entre
1965 e 1975, segundo Araújo (2000) só cooperaram para possibilitar a
autonomia da Psicologia do Esporte. Entre os fatos descritos pelo autor,
destacam-se: a criação da Sociedade Internacional de Psicologia do
Esporte (1965); publicação de artigos relacionados à intervenção
psicológica realizada com atletas (1966-1967); publicação do primeiro
teste específico voltado para o contexto esportivo medindo variáveis
como agressividade, treinamento e confiança nas próprias capacidades
(1969); publicação do International Journal of Sport Psychology
(primeira revista específica de Psicologia do Esporte-1970) e a
publicação do livro Sport et Personalité, desenvolvendo especificamente o
tema da personalidade no esporte (1975).
Diante dessas informações, fica difícil
não perceber a diferença de desenvolvimento e crescimento da Psicologia
do Esporte fora do Brasil. Como exemplo, é só constatar que do I
Congresso Mundial de Psicologia do Esporte realizado em 1965 (Roma) e o I
Congresso Brasileiro de Psicologia do Esporte realizado em 1981 (Rio
Grande do Sul), são 16 anos. Um outro fato relevante que chama a
atenção, diz respeito à publicação de um veículo específico sobre
Psicologia do Esporte. O Journal of Sport Psychology passou a ser
publicado em 1970. No Brasil, até este ano, 2006, ou seja, 36 anos
depois, não existe, como já descrito anteriormente, nenhuma revista
específica sobre o assunto. Claro que isso não significa que os
pesquisadores e profissionais inseridos neste campo, não estejam
publicando seus trabalhos em outros veículos de comunicação. Ao
contrário, tanto isso acontece que, num levantamento feito pela SOBRAPE
em 1978, foi possível não só identificar os artigos publicados, mas
também a profissão dos escritores (Machado, 1997).
E qual não foi a surpresa ao constatar
que dos artigos levantados, apenas 19% pertenciam a psicólogos. 2,1%
eram de autoria de médicos e a maioria, 53,6% era de educadores físicos.
Este também se tornou ao longo do tempo, mais um ponto de discussão
dentro da Psicologia do Esporte brasileira: a formação do psicólogo
esportivo. Tema que será abordado com maior profundidade no próximo
capítulo.
Dando continuidade à história, o período
de 1982 a 1987, não foi de grandes acontecimentos para a Psicologia do
Esporte no Brasil. Nele destaca-se: a implementação de um Centro de
Preparação Psicológica, no Esporte Clube Pinheiros-SP, sob a coordenação
inicial do psicólogo William U. de Lima e, posteriormente, da psicóloga
Eliana Abdo Philippi. Segundo Abdo (2000a), este departamento foi
extinto em 1997. Em relação aos eventos, nos anos de 1983, 1985 e 1987
foram realizados os Congressos Brasileiros de Psicologia do Esporte.
Desse período em diante, é unânime para
os autores, que a década de 90 [1990] foi, até agora, a década mais
promissora para a Psicologia do Esporte no Brasil, não só no que diz
respeito a eventos, mas principalmente em relação à criação de cursos de
especialização para a formação do psicólogo esportivo, publicação de
diversos livros em português sobre os mais variados temas dentro da
Psicologia do Esporte, aumento no número de profissionais trabalhando
com intervenção junto a atletas, não só do futebol, mas de outras
modalidades, criação de laboratórios para pesquisa, inserção da
disciplina Psicologia do Esporte em alguns cursos de Psicologia e, num
movimento muito particular de alguns membros do Conselho Regional de
Psicologia (CRP-SP), a criação de um espaço de discussão, dentro da sede
do Conselho, sobre a Psicologia do Esporte enquanto opção profissional e
área de atuação.
Em outras palavras, não faltaram
iniciativas, boas intenções, discussões e encontros durante esse período
de 1990 até os dias atuais, para solidificar a Psicologia do Esporte
brasileira. Ao contrário, até a mídia, como relata Franco (2004) tem
cumprido seu papel, publicando matérias sobre o tema, encorajando direta
ou indiretamente, técnicos e equipes esportivas a buscarem o trabalho
de orientação de um psicólogo esportivo (p. 32). Mas, ao que parece,
“algo” tem provocado lentidão a esse processo de tornar a Psicologia do
Esporte no séc. XXI, não só um campo com métodos e teorias próprios, mas
também, um campo promissor para a formação de novos e capacitados
profissionais. Muitas publicações, inclusive, trazem propostas de
discussão sobre essa questão, mas é inevitável detectar que pouco se
consegue para se chegar a uma conclusão ou uma solução mais palpável
sobre essa questão. Como resultado, o que se observa são discussões que,
mesmo sem a intenção, acabam assumindo a característica de um monólogo,
onde autor acaba“travando um diálogo com ele mesmo”.
A história, no entanto, registra um
momento durante o final da década de 90 [1990] em que foi possível
assistir ao encontro de diversos profissionais e estudantes, de
diferentes estados, diferentes profissões, diferentes atuações que
deixaram de lado essas diferenças para discutir e compartilhar
informações sobre um tema comum a todos: a Psicologia do Esporte. O
evento, realizado pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, em
São Paulo, capital recebeu o nome de Encontros e Desencontros:
Descobrindo a Psicologia do Esporte.
Sob a coordenação da Profa. Dra. Kátia
Rubio, durante três dias, aproximadamente, 400 pessoas ouviram e
debateram temas pertinentes à área (Rubio, 2000a). Segundo Rubio
(2000a), esse evento pode ser considerado um marco histórico, na medida
que conseguiu reunir pessoas que atuam em Psicologia do Esporte há
várias décadas, em espaços importantes e privilegiados, em vários
estados do país, e que em seus clubes e instituições acadêmicas, estão
pesquisando, ensinando ou intervindo, enfim, fazendo a Psicologia do
Esporte no Brasil (p. 9). E ainda acrescentou:
a unanimidade não era a intenção do
evento. Pelo contrário, o objetivo maior era apresentar aos neófitos e
aos iniciados a pluralidade de formação e ação que caracterizam nossa
prática. Dos campos de atuação às linhas teóricas, o que se observa
hoje, na Psicologia do Esporte, é um apelo à alteridade, no sentido do
respeito às diferentes formas de se fazer uma prática que ainda carece
de tradição (p. 10).
Sem dúvida, o evento cumpriu o seu papel. Houve troca de informações, apresentação de trabalhos, relatos de experiências, mesas redondas e até novas publicações brasileiras sobre Psicologia do Esporte. Entre elas, Psicologia do Esporte- interfaces, pesquisa e intervenção (Rubio e cols, 2000), Manual de Psicologia do Esporte e Exercício (Becker Jr., 2000), Psicologia no Esporte e na Atividade Física (Franco, 2000) que contaram com a presença dos respectivos autores para autografar ou conversar sobre os livros.
Sem dúvida, o evento cumpriu o seu papel. Houve troca de informações, apresentação de trabalhos, relatos de experiências, mesas redondas e até novas publicações brasileiras sobre Psicologia do Esporte. Entre elas, Psicologia do Esporte- interfaces, pesquisa e intervenção (Rubio e cols, 2000), Manual de Psicologia do Esporte e Exercício (Becker Jr., 2000), Psicologia no Esporte e na Atividade Física (Franco, 2000) que contaram com a presença dos respectivos autores para autografar ou conversar sobre os livros.
Com o passar do tempo, outros eventos
ocorreram, promovidos por diferentes profissionais, através de
instituições de ensino ou da própria SOBRAPE. Mas nenhum deles conseguiu
repetir, novamente, a façanha do simpósio realizado em 2000.
Abdo (2000a), durante a década de 90
[1990], mais precisamente, neste evento realizado pelo CRP-SP, procurou
alertar os profissionais da área sobre o crescimento isolado dos
trabalhos que estavam sendo realizados em Psicologia do Esporte no
Brasil.
Além disso, também já era possível
perceber, segundo a autora, que a maior dificuldade que existia para a
Psicologia do Esporte no Brasil, era a falta de união das duas
principais profissões envolvidas neste campo, a Educação Física e a
própria Psicologia (p. 17). E, ao que parece, essa “disputa” de espaço
permanece até os dias de hoje. Abdo (2000a) ainda, utilizando-se de uma
citação de Butt (1997) para confirmar sua hipótese acrescenta: existem
alguns conflitos no campo da Psicologia do Esporte no sentido de quem
deve praticá-la e que formação é necessária para tal. A questão é como
identificar quem é capaz de ajudar os atletas a desenvolver e aumentar
seu desempenho de uma maneira construtiva (...) se o atleta está
sofrendo realmente ou está em decadência, o psicólogo tem a
responsabilidade e a formação para dar-lhe assessoramento apropriado e
colocar o seu bem estar em primeiro lugar. Existem muitas pessoas
trabalhando em aconselhamento esportivo que não são psicólogos e que não
põem o bem estar do paciente em primeiro lugar. A sua primeira
responsabilidade é para o esporte ou aprimoramento do desempenho...(Butt
apud Abdo, 2000a; p. 17).
Franco (2004), ou seja, quatro anos
depois de Abdo (2000a), também aborda em sua obra essa questão do fazer
profissional do psicólogo esportivo, que segundo ela, está intimamente
ligado à formação deste profissional. Para a autora, que se baseia em
Feliu (1997), a Psicologia do Esporte só ganhará consistência e
credibilidade quando a formação do psicólogo esportivo conter conteúdos
relacionados não só à Psicologia, mas também às Ciências do Esporte e do
esporte em si, isto é, uma formação teórica e prática (Feliu apud
Franco, 2004; p. 47). Do contrário, baseando-se apenas numa formação
voltada à Psicologia, o psicólogo esportivo correrá o risco de continuar
recebendo críticas como aquelas relatadas por De Rose (2000) em que o
mesmo aponta, como as duas outras autoras, problemas na formação do
psicólogo no Brasil e, conseqüentemente, falta de conhecimento não só do
atleta, mas do cenário esportivo, o que implicaria diretamente na sua
rejeição ou por parte do técnico ou por parte do atleta e/ou equipe
esportiva.
Afirma De Rose (2000):
As faculdades de Psicologia parecem
não conhecer a importância do esporte como campo profissional para seus
egressos e não proporcionam a seus alunos a oportunidade de conhecer um
pouco mais sobre o assunto. Sequer são oferecidas disciplinas optativas e
o que se encontra são raros cursos de especialização, que formam
pequenos grupos de psicólogos interessados e atentos ao movimento desse
mercado de trabalho promissor. Não possuindo essa complementação em sua
formação, o psicólogo não acostumado ao esporte, encontra uma grande
resistência por parte dos técnicos e atletas, por não falar e não
entender a linguagem cotidiana das quadras, dos campos, das pistas e das
piscinas. O atleta não pode e não deve ser tratado como um paciente de
consultório (p. 34).
Ou seja, de uma forma ou de outra, todos os autores, independente da sua formação inicial, atestam para a importância da formação do psicólogo esportivo e, principalmente, para a urgência de se criar ou desenvolver formas de se suprir essa carência de saberes e prática no campo da Psicologia do Esporte. Isso até seria possível se realmente houvesse, por parte dos envolvidos, sejam estes profissionais, instituições de ensino, conselhos e sociedades não só iniciativas, mas a concretização de projetos que tornassem esse fato realidade.
Sabe-se que, em 1994, segundo Abdo
(2000a) foi encaminhada ao CRP, durante o Congresso Regional de
Psicologia, a proposta de inclusão da disciplina Psicologia do Esporte
nas grades curriculares das Faculdades de Psicologia. Mas até hoje, 11
anos após esse encaminhamento, é possível “contar nos dedos” as
instituições de ensino que mantêm a disciplina como parte do seu
currículo, seja na condição de disciplina obrigatória ou optativa. Uma
outra questão a ser levantada, diz respeito aos estágios. Na maioria dos
campos onde a Psicologia atua como clínica, escola, hospital, creches, o
aluno possui prática de estágio supervisionado, onde ele pode colocar
em prática o que aprendeu e receber supervisão adequada para o
aprimoramento do seu saber fazer. No caso da Psicologia do Esporte se
não todas, quase nenhuma instituição oferece oportunidade de estágio
supervisionado o que dificulta mais ainda a formação e conseqüentemente,
como apontou De Rose (2000), sua aceitação junto ao atleta ou comissão
técnica.
Para completar, é possível, também, que
um outro fator que tenha contribuído, mais ainda, para acentuar as
dificuldades até aqui descritas, tenha sido a regulamentação do título
de especialista concedida pelos Conselhos Federal e Regional de
Psicologia, a partir de 2001, apenas para profissionais formados em
Psicologia. Este fato pode ter despertado o descontentamento de
profissionais da área da Educação Física, já que os mesmos, acreditando,
pela própria formação, serem, talvez, os profissionais mais aptos a
trabalhar com os atletas, não possam adquirir o título de psicólogo
esportivo, realidade essa comum em outros países e que será,
posteriormente, discutida no próximo capítulo com mais detalhes.
Por conta disso, muitos profissionais da
área da Educação Física que, desde o início contribuíam para o
crescimento do campo, assumiram uma postura de defesa contra os
psicólogos, colocando em discussão se realmente os mesmos dispunham de
conhecimento suficiente para atuar na área, uma vez que não pertenciam a
uma área ligada diretamente ao Esporte. Essa discussão tornou-se tão
emergente que, durante o XI Congresso Brasileiro e IV Congresso
Internacional de Psicologia do Esporte, realizado em 2004, em
Curitiba-PR, houve dois momentos em que este assunto foi abordado: o
primeiro momento foi realizado através de um Fórum informal, onde
integrantes do Congresso foram convidados a participar da discussão
denominada Fórum de discussão sobre a formação do Psicólogo Esportivo no
Brasil e o segundo momento, foi a mesa redonda Formação do Psicólogo do
Esporte," presidida pelo Prof. Dr. Luiz Carlos Moraes, atual secretário
geral da SOBRAPE.
Mas em ambas as situações, não foi possível caminhar muito mais dentro do que se esperava.
Neste sentido, o que se percebe é que,
os pontos se unem e forma-se uma interrogação (?) que se resume não mais
a uma disputa de lugar ou título, ou seja, quem é ou deveria ser o
profissional a exercer o papel do psicólogo esportivo hoje, no Brasil.
Do ponto de vista legal, de mercado, não há dúvida de que é o psicólogo.
Mas a realidade não nos aponta isso. Os casos mais recentes, publicados
na mídia apontam médicos, engenheiros e professores de educação física
atuando com questões psicológicas ao realizar acompanhamentos junto a
atletas e equipes esportivas. Em contrapartida, como já descrito
anteriormente, os cursos de Psicologia, na sua maioria, continua a não
possuir a disciplina Psicologia do Esporte, tampouco, estágio
supervisionado neste campo, o que, é importante esclarecer, não seria a
solução, mas talvez um avanço.
Como conseqüência, fica a cargo dos
cursos de especialização em Psicologia do Esporte, a responsabilidade de
dar conta de um conhecimento que, necessariamente não teria que se
concentrar apenas num curso de nível lato sensu. E, em se tratando da
realidade brasileira, isso se complica mais, já que, até o momento, o
único curso de especialização direcionado a formar psicólogos esportivos
e que cumpre com as exigências feitas pelo Conselho Federal de
Psicologia é o curso do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. O
restante que existe e de que se tem conhecimento, não cumpre as
exigências formais. Ou seja, são reconhecidos pelo MEC e não pelo CFP e
Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP), mas não concedem o
título de especialista em Psicologia do Esporte.
Portanto, para concluir, o que foi dito
até o presente momento, não difere em nada, das expectativas e
preocupações dos autores mencionados anteriormente (ver p. 65-66). A
única diferença é que o posicionamento desses autores concentrava-se
ainda num momento de afirmação da Psicologia do Esporte no Brasil, o que
é natural, se, se levar em conta que traçar planos para o futuro, faz
parte de pessoas que querem realizar algo. Mas infelizmente, a
solidificação da Psicologia do Esporte ainda exige esforços e mais do
que qualquer coisa, estruturação.
Sendo assim, acredita-se que, além dos
objetivos traçados para este trabalho, um outro objetivo, talvez mais
informal que se deseje atingir seja, através de toda essa reflexão sobre
o campo da Psicologia do Esporte, revelar o irrevelável, apontar as
rachaduras sem desmerecer a construção já existente e oferecer possíveis
ferramentas para o conserto.
Neste sentido, levando-se em conta a
importância da formação do psicólogo esportivo no cenário brasileiro e a
necessidade de se identificar e compreender as rachaduras que têm
impedido que os alicerces que sustentam essa formação se solidifiquem, o
próximo capítulo intitulado: Psicologia do Esporte: refletindo sobre as
competências do psicólogo esportivo no Brasil irá tratar, primeiramente
do conceito de competência, numa visão geral e, em seguida, das
competências exigidas no fazer profissional do psicólogo do esporte,
tendo como fonte de consulta órgãos oficiais nacionais e internacionais
que têm, ao longo dos anos, se preocupado em delimitar tanto as
competências necessárias, quanto as funções que devem e/ou podem ser
exercidas pelo psicólogo esportivo.
Sobre as Competências do Psicólogo Esportivo no Brasil
Em
diversos países da Europa e América tem havido uma acentuada
preocupação com o significado da palavra competência, principalmente no
que diz respeito aos saberes e ao saber-fazer que devem ou deveriam
caracterizá-la dentro de qualquer profissão.
Alguns autores como Desaulniers (1998);
Manfredi (1988); Schwartz (1998); Stroobants (1998); Meghnagi (1998);
Ropé e Taguy (2002) e Vosgerau e Eleuterio (2005) têm buscado, com muita
propriedade, discutir a dimensão do significado das palavras
competência, saberes e qualificação, já que, sem um prévio conhecimento,
muitas pessoas podem chegar até a utilizá-las como sinônimo, como
afirma Manfredi (1988): o uso desses conceitos polissêmicos, na grande
maioria, são empregados como equivalentes e sinônimos mas, na verdade,
ao se consultar a literatura, os mesmos conceitos aparecem como
conceitos novos, atuais e não como reatualizações (p. 14).
Procurando manter este cuidado, sem se
afastar do objetivo principal deste capítulo, que consiste em refletir
sobre as competências necessárias ao exercício profissional do psicólogo
esportivo no Brasil, optou-se por esclarecer, inicialmente, o
significado do termo competência para que, ao final, seja possível
identificar, de acordo com os órgãos oficiais, nacionais e
internacionais, responsáveis pelo fazer profissional do psicólogo
esportivo, as competências necessárias para exercer sua profissão. Para
tal, foram usados como referência para discutir o tema, os seguintes
autores: Manfredi (1998); Meghnagi (1998); Shwartz (1998) e Vosgerau e
Eleuterio (2005).
Sendo assim, ao se reportar à questão
sobre as diferenças entre os termos competência, qualificação, saberes e
habilidades, Manfredi (1998) afirma que essas expressões têm ocupado
lugar de destaque nos discursos e documentos dos diferentes agentes e
instituições sociais.
Segundo a autora, as transformações em curso na sociedade brasileira, decorrentes das mudanças técnico-organizacionais no mundo do trabalho, estão fazendo ressurgir, com muita ênfase, acalorados debates relativos a temas e problemas que nos remetem às relações entre trabalho, qualificação e educação (especialmente a formação
profissional). Estudos nacionais e internacionais envolvendo tais questões têm envolvido pesquisadores de vários campos das ciências. As discussões têm navegado pelos mais diferentes campos das ciências sociais- economia, sociologia, história, antropologiapassando também a se constituir em objeto de preocupação de educadores, lingüistas, psicólogos, engenheiros de produção, médicos psiquiatras etc; enfim, todos aqueles que se preocupam com as questões relativas ao trabalho humano e as suas metamorfoses (1998; p. 14).
Segundo a autora, as transformações em curso na sociedade brasileira, decorrentes das mudanças técnico-organizacionais no mundo do trabalho, estão fazendo ressurgir, com muita ênfase, acalorados debates relativos a temas e problemas que nos remetem às relações entre trabalho, qualificação e educação (especialmente a formação
profissional). Estudos nacionais e internacionais envolvendo tais questões têm envolvido pesquisadores de vários campos das ciências. As discussões têm navegado pelos mais diferentes campos das ciências sociais- economia, sociologia, história, antropologiapassando também a se constituir em objeto de preocupação de educadores, lingüistas, psicólogos, engenheiros de produção, médicos psiquiatras etc; enfim, todos aqueles que se preocupam com as questões relativas ao trabalho humano e as suas metamorfoses (1998; p. 14).
O interessante, porém, é que o que se
tem encontrado na literatura, não são simples reatualizações do termo,
mas sim conceitos novos e atuais que, de acordo com Manfredi (1998)
merecem ser abordados dentro de uma perspectiva histórico-crítica
constituindo não apenas um mero exercício intelectual, como poderiam
interpretar alguns, mas uma tentativa de demarcar as diferenças
existentes nas diversas abordagens, seja no âmbito teórico ou político
(p. 14). Ou seja, ao basear-se na crença de que tais conceitos expressam
sentidos e intenções diferentes (p. 14), Manfredi (1998) realizou uma
pesquisa junto aos trabalhos mais significativos existentes sobre o
tema, na intenção de investigar a construção social dos significados que
têm sido atribuídos às noções de qualificação e competência no campo da
Economia da educação, Economia política, Sociologia do trabalho,
Psicologia e Avaliação educacional.
O resultado encontrado entre outros, foi
o de que as expressões qualificação e competência parecem ter matrizes
distintas. A noção de qualificação está associada ao repertório teórico
das ciências sociais, ao passo que o de competência está historicamente
ancorado nos conceitos de capacidades e habilidades, constructos
herdados das ciências humanas- da Psicologia, Educação e Lingüística
(Manfredi, 1998; p. 15).
No entanto, com o passar dos anos, a
ressignificação do conceito de qualificação e sua substituição pelo
conceito de competência foram inevitáveis. O processo de reorganização
da economia mundial e as transformações técnico-organizacionais afetaram
não só as condições, os meios e as relações de trabalho, como também,
provocaram a construção de novas formas de representação das noções de
trabalho, qualificação, competência e formação profissional (Manfredi,
1998; p.25).
Progressivamente, segundo Schwartz
(1998), também os chefes de projetos e de empresa substituíram o termo
qualificação pelo de competência para pensar o problema dos ajustes das
pessoas às tarefas ou aos objetivos, bem como a busca de procedimentos
ou modelos de avaliação dessas competências (p. 101). Como conseqüência,
os trabalhadores passaram a responder a um novo perfil de qualificação
de trabalho, capaz de satisfazer as seguintes exigências: posse de
escolaridade básica, de capacidade de adaptação a novas situações, de
compreensão global de um conjunto de tarefas e das funções conexas o que
demanda capacidade de abstração e de seleção, trato e interpretação de
informações. Além disso, como os equipamentos são frágeis e caros e como
se advoga a chamada administração participativa, são requeridas também
atenção e a responsabilidade (Manfredi, 1998; p. 25).
Em se tratando, especificamente, do
Brasil (década de 70 [1970]), Manfredi (1998) relata que a noção de
competência passa a ser incorporada nos discursos dos empresários, dos
técnicos dos órgãos públicos que lidam com o trabalho e por alguns
cientistas sociais, como se fosse uma decorrência natural e imanente ao
processo de transformação na base material do trabalho. Segundo a
autora, no discurso dos empresários há uma tendência de
definir competência muito mais como uma capacidade de agir, intervir, decidir em situações nem sempre previstas ou previsíveis do que um estoque de conhecimentos e habilidades (p. 27).
definir competência muito mais como uma capacidade de agir, intervir, decidir em situações nem sempre previstas ou previsíveis do que um estoque de conhecimentos e habilidades (p. 27).
Já nos dias atuais, a partir dessa visão
relatada por Manfredi (1998) pode haver limitações se levar em conta
autores como Meghnagi (1998) e Vosgerau e Eleuterio (2005).
Para ambos, a noção de competência
envolve muito mais do que apenas uma capacidade para agir ou resolver
problemas, envolve sim, uma inter-relação entre fatores que compreendem
desde a aquisição de escolaridade quanto os processos de aprendizagem
informais que ocorrem em momentos e espaços distintos, as orientações de
valorativas que dão suporte aos fatos inovativos, o pertencimento a uma
comunidade profissional e a apropriação de um saber teórico ou gerado a
partir de uma prática (Meghnagi, 1998; p.51).
Vosgerau e Eleuterio (2005) também se posicionam ao definir, separadamente, os termos competência, capacidade, saberes e habilidades, e reconhecem suas diferenças e possíveis inter-relações. Para estes autores, o termo competência constitui um saber-agir complexo, resultante da integração, da mobilização e do agenciamento de um conjunto de capacidades e de habilidades e de conhecimentos utilizados de forma eficaz, em situações similares (Lasnier apud Vosgerau e Eleutério, 2005; p. 7). Ou seja, tanto as capacidades como as habilidades e saberes são elementos que, uma vez determinados, seja em que contexto for, podem mobilizar as competências necessárias para uma atuação profissional ou acadêmica.
Vosgerau e Eleuterio (2005) também se posicionam ao definir, separadamente, os termos competência, capacidade, saberes e habilidades, e reconhecem suas diferenças e possíveis inter-relações. Para estes autores, o termo competência constitui um saber-agir complexo, resultante da integração, da mobilização e do agenciamento de um conjunto de capacidades e de habilidades e de conhecimentos utilizados de forma eficaz, em situações similares (Lasnier apud Vosgerau e Eleutério, 2005; p. 7). Ou seja, tanto as capacidades como as habilidades e saberes são elementos que, uma vez determinados, seja em que contexto for, podem mobilizar as competências necessárias para uma atuação profissional ou acadêmica.
Em outras palavras, como ressalta
Meghnagi (1998), ainda que cada profissão possa ser exercitada em níveis
mais ou menos elevados de capacidades e habilidades, com a finalidade
de produzir bens materiais ou imateriais, a competência se configura
como sendo a explicitação de repertórios cognitivos de natureza variada,
que envolvem ações e decisões das quais resulta a qualidade do
desempenho. Hoje, tudo isso vale para a quase totalidade das profissões,
do trabalho autônomo ao assalariado, para operários, quadros
administrativos e dirigentes (p. 51).
Portanto, até este momento, pode-se
afirmar que o termo competência relacionado ao fazer profissional, na
visão desses autores, deve estar embasado numa perspectiva de formação
ou de trabalho, ou seja, na aquisição e produção de conhecimento
constante, referendado em teorias de aprendizagem bem como, numa
perspectiva de contextos, espaços e tempos sócio-culturais do indivíduo.
Uma vez tendo claro o significado da
palavra competência, é possível se concentrar no objetivo principal
desse capítulo, que é o de propor uma reflexão sobre as competências que
envolvem o exercício profissional do psicólogo esportivo.
Sabe-se que as discussões em torno das
competências que envolvem o fazer profissional do psicólogo esportivo no
cenário brasileiro não são recentes. O que, talvez seja recente, é a
direção que esta discussão tem tomado após o reconhecimento legal da
Psicologia do Esporte como especialidade da Psicologia (Resolução Nº
002/2001), ou seja, do ponto de vista das resoluções instituídas pelos
Conselhos Federal e Regional de Psicologia, por lei, é de direito do
psicólogo exercer a função de psicólogo esportivo junto ao mercado de
trabalho.
No entanto, são claras as divergências a respeito desse assunto e, a maioria delas, acaba se detendo, principalmente, ao fazer profissional do psicólogo esportivo. Em outras palavras, a dúvida que permeia é: o que é de direito do psicólogo esportivo e o que é de direito também, de outros profissionais de outras áreas? E por quê? E mais, o que na verdade garante essa “diferença” que se denomina no fazer do psicólogo esportivo que qualquer outro profissional não estaria apto a realizar, a menos que fizesse uma graduação em Psicologia?
No entanto, são claras as divergências a respeito desse assunto e, a maioria delas, acaba se detendo, principalmente, ao fazer profissional do psicólogo esportivo. Em outras palavras, a dúvida que permeia é: o que é de direito do psicólogo esportivo e o que é de direito também, de outros profissionais de outras áreas? E por quê? E mais, o que na verdade garante essa “diferença” que se denomina no fazer do psicólogo esportivo que qualquer outro profissional não estaria apto a realizar, a menos que fizesse uma graduação em Psicologia?
Para dar conta de responder a estes
questionamentos, recorreu-se às Associações e Sociedades (nacionais e
internacionais), como também aos Conselhos Federal e Regional, órgãos
oficiais responsáveis pela sistematização do fazer profissional do
psicólogo esportivo, para identificar elementos que pudessem responder
por que é o psicólogo e não o professor de educação física, o
engenheiro, o médico, etc que deve exercer o papel de psicólogo
esportivo. A escolha por estes órgãos foi feita pelo fato de que não é
possível discutir competência sem antes, se remeter àqueles que,
oficialmente, têm a função de sistematizar o fazer profissional, neste
caso, do psicólogo esportivo, e cuidar para que o mesmo esteja atendendo
às exigências necessárias e legais dentro da sua atividade
profissional.
Sendo assim, para melhor visualização e
identificação das competências estabelecidas por cada um dos órgãos
consultados, as mesmas foram dispostas na forma de quadros,
separadamente. Optou-se por relacionar, inicialmente, as Sociedades e
Associações internacionais como a ISSP; a Associação Americana de
Psicologia e o Comitê de Reconhecimento de Especialidades e
Proficiências do psicólogo (APA/CRSPP); a Associação para o Avanço da
Psicologia do Esporte Aplicada (AAASP), por existirem há mais tempo
quando comparadas ao Brasil em termos de sistematização do fazer
profissional do psicólogo esportivo e, em seguida, o CFP e CRP e a
SOBRAPE.
Antes, porém, de discutir as
competências estabelecidas pela ISSP, é necessário salientar alguns
pontos importantes da história e do posicionamento dessa sociedade
perante a construção e solidificação da Psicologia do Esporte no mundo,
para se compreender em que momento e por que se deu a atual
sistematização do fazer profissional do psicólogo esportivo.
A ISSP foi criada em 1965, durante o I Congresso de Psicologia do Esporte, realizado em Roma, por Ferruccio Antonelli. Antonelli, médico psiquiatra, tornou-se o primeiro presidente da ISSP, permanecendo no cargo por oito anos.
A ISSP foi criada em 1965, durante o I Congresso de Psicologia do Esporte, realizado em Roma, por Ferruccio Antonelli. Antonelli, médico psiquiatra, tornou-se o primeiro presidente da ISSP, permanecendo no cargo por oito anos.
Ao longo desses 40 anos que se sucederam
desde sua criação, a ISSP, hoje, é considerada uma organização sólida,
voltada a promover a disciplina Psicologia do Esporte, pesquisa e
desenvolvimento através do mundo. Além disso, é vista também, como uma
associação de escolas multidisciplinares cujo interesse está focado na
pesquisa sobre aspectos da Psicologia do Esporte. A ISSP existe, entre
outras coisas, para encorajar e promover o estudo do comportamento dos
indivíduos e grupos associados ao esporte e atividade física; facilitar o
compartilhar dos profissionais através de boletim de notícias,
encontros e congressos realizados num intervalo de quatro em quatro
anos.
Para dar conta dessas funções, a ISSP
sempre esteve atenta à evolução que a Psicologia do Esporte sofreu ao
redor do mundo. Nos últimos 30 anos, foi possível presenciar o
reconhecimento de vários países em suas implicações política, econômica e
social na área do esporte e do exercício numa época em que a
globalização permitiu que o esporte crescesse propiciando às nações
obter melhores caminhos para sua realização. Ao mesmo tempo, os
indivíduos envolvidos com o esporte e as próprias escolas responsáveis
pelo treinamento de educadores físicos, ciências do esporte ou
psicologia contribuíram para o desenvolvimento do estudo da atividade
esportiva através de uma perspectiva psicológica.
De acordo com um documento intitulado
Treinamento e Seleção de Psicólogos Esportivos: uma revisão
internacional, a interação estabelecida entre aqueles que praticam
esporte ou necessitam de atividade física, bem como os estudiosos
interessados na área, resultou ou tem resultado, no desenvolvimento da
profissão que se denomina, hoje, Psicologia do Esporte e do Exercício.
Em decorrência disso, e por acreditar
que é de responsabilidade da ISSP examinar o crescimento e
desenvolvimento da Psicologia do Esporte e do Exercício ao redor do
mundo, bem como a maneira como os psicólogos esportivos estão sendo
treinados e selecionados para trabalhar nos mais diversos cenários que
necessitam dos seus serviços, o Conselho Diretor da ISSP produziu o
documento acima citado na intenção de informar as descobertas a respeito
de como têm se dado o treinamento e seleção deste profissional numa
perspectiva mundial.
A partir de uma pesquisa realizada junto
às publicações de livros, jornais e conferências, estatutos e outros
documentos oficiais de organizações de Psicologia do Esporte, nacionais e
internacionais, foram coletadas informações sobre o tema: treinamento e
seleção de psicólogos esportivos. Coube aos membros do grupo de
revisão, além de procurar informações em outras fontes, a tarefa de
confrontá-las com aquelas já encontradas.
O mesmo Conselho Diretor, formado por
quatro membros, foi o responsável por analisar os dados obtidos, tendo
como referência as seguintes regiões: África (Nigéria, Kênia, Zimbábue,
Moçambique, Marrocos, Egito, Botswana e Sul da África); Ásia e Pacífico
Sul (Japão, Coréia e Austrália); Europa (Alemanha, França, Espanha,
Portugal, Itália, Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suécia; Rússia
Lituânia, Estônia, Romênia, Bulgária, Slovênia, Polônia, República
Checa, Reino Unido); América do Norte (Canadá e Estados Unidos) e
América do Sul. Não há registros de investigação realizados em países da
América Latina.
As conclusões a que os diretores chegaram foram as seguintes:
- Há uma grande variação entre os diferentes países a respeito da duração de tempo na educação, treinamento e no processo de seleção em Psicologia do Esporte. Isso, segundo os autores se deve aos fatores de ordem cultural, social, política e econômica que influenciam a maneira na qual a Psicologia do Esporte é e tem se desenvolvido como profissão;
- Há uma dificuldade no desenvolvimento da Psicologia do Esporte em qualquer nação que não possua um compromisso político e econômico com o esporte internacional. Ou seja, embora a Psicologia do Esporte tenha sido, durante muitos anos, uma matéria dos programas de Educação Física, é somente através dos países que procuram o sucesso do esporte internacional em larga escala, que os psicólogos esportivos são convidados a oferecer serviços de suporte que se constata um envolvimento significativo pessoal e do ponto de vista de tempo de duração;
- Há poucos exemplos de organizações nacionais de Psicologia do Esporte que seguem o sistema de exigências da profissão, mas as mesmas têm aprendido a oferecer uma data para profissionalização do psicólogo esportivo em países em que o tempo de formação é considerado;
- A educação em Psicologia do Esporte tem sido, predominantemente, desenvolvida nos departamentos de Educação Física das universidades. Mas com freqüência, a Psicologia do Esporte é a única disciplina inserida em programas mais abrangentes, embora alguns países tenham sido capazes de desenvolver um programa específico de Psicologia do Esporte em nível de pós-graduação;
- Ignorar ou evitar a Psicologia do Esporte é um fato ainda muito comum nos departamentos de Psicologia das universidades e nas associações nacionais de profissionais em Psicologia. Apenas num número, relativamente, pequeno de países, a Psicologia do Esporte tem sido encontrada como disciplina dentro dos programas e/ou reconhecida dentro das associações de profissionais;
- É raro encontrar dentro da Psicologia, estatuto que licencie os psicólogos como psicólogos esportivos, apesar de existirem muitos países que possuem o estatuto da regulamentação da profissão;
- O certificado em Psicologia do Esporte para qualquer profissional de outra área que não seja da Psicologia é dirigido a um número pequeno de países ao redor do mundo. A maior parte dos programas que oferece o certificado de Psicólogo do Esporte foi estabelecida por associações profissionais de Psicologia do Esporte que estão apoiadas na Educação Física ou nas Ciências do Esporte ou sozinhas. É o caso da AAASP, nos Estados Unidos, como será visto neste mesmo capítulo, posteriormente.
- A influência do certificado ou a seleção do psicólogo esportivo para trabalhar com profissionais ou times nacionais depende do relacionamento que a associação nacional de Psicologia do Esporte tem desenvolvido com os membros do governo que organizam o esporte como o Comitê Olímpico Nacional, assim como, as organizações esportivas, como os clubes profissionais. Na maior parte dos países em que existe a possibilidade de obter o certificado, os psicólogos esportivos que não o possuem, acabam apenas exercendo sua função, baseando-se apenas em suas reputações individuais (Morris, Alfermann, Lintunen, e Halt; s/d; p. 23-24).
Baseando-se nesses pontos apresentados
pelos autores, parece claro que, mesmo os países da América Latina não
tendo sido incluídos na pesquisa da ISSP, é possível identificar
semelhanças em relação ao cenário brasileiro a começar pelo
desenvolvimento da Psicologia do Esporte que, também no Brasil, surgiu,
inicialmente, nos departamentos de Educação Física das universidades e
não dentro das faculdades de Psicologia.
Outro ponto em comum, mas voltado não
para diferenças entre países, como aponta a pesquisa da ISSP e sim, para
diferenças entre regiões, no caso do Brasil, é possível encontrar
diversos cursos de formação em Psicologia do Esporte que se diferenciam,
não só no que diz respeito ao tempo designado à formação, mas também ao
conteúdo programático dos cursos. Em alguns deles predominam mais
disciplinas voltadas à Educação Física e às Ciências do Esporte do que à
Psicologia (Rodrigues, 2003).
Já em relação à possibilidade de
realizar grandes eventos esportivos, pode se afirmar que o Brasil já foi
sede de alguns desses eventos como, por exemplo, a Copa do Mundo (1950)
e os Jogos Pan-americanos. Mas a realização destes não mobilizou, pelo
menos publicamente, convite das organizações ou equipes para atuação de
psicólogos esportivos especializados naquela época. Com exceção do
psicólogo João Carvalhaes, psicólogo que participou da Copa de 1958, o
que se sabe, é que alguns profissionais, entre médicos psiquiatras e
engenheiros realizaram trabalhos e palestras junto às equipes de
diversas modalidades, mas apenas um pequeno número de psicólogos
esportivos pôde realizar um trabalho específico e adequado junto aos
atletas.
Um outro fator relevante consiste na
ausência da disciplina Psicologia do Esporte nos cursos de Psicologia.
Como apontou a pesquisa, também em outros países, o conteúdo da
Psicologia do Esporte ainda é mais freqüente na grade curricular dos
cursos de Educação Física.
O Brasil, como outros países
relacionados na pesquisa, também oferece licença ou certificado aos
psicólogos esportivos. Desde 2001, como já mencionado, anteriormente,
neste curso, o Conselho Federal e Regional de Psicologia concedem o
título de especialista a psicólogos que desenvolvem trabalhos na área do
esporte, ou por meio de uma prova, ou pela conclusão do curso de
especialização oferecido pelo Instituto Sedes Sapientiae em Psicologia
do Esporte. Os primeiros psicólogos formados pelo curso receberam o
título de especialista em Psicologia do Esporte em 2003. Ainda assim,
como a própria pesquisa afirma, os psicólogos que não possuem o título
de especialista, mas realizam trabalhos no campo da Psicologia do
Esporte, no Brasil, estão por sua conta e responsabilidade, ou como
dizem os membros do Conselho Diretor da ISSP, estão exercendo suas
funções baseando-se apenas em suas reputações individuais.
Vale ressaltar que os pontos aqui
destacados como semelhantes àqueles levantados pela ISSP, só vêm
demonstrar que, apesar do desenvolvimento perceptível da Psicologia do
Esporte fora do Brasil, existem ainda muitos países em que este campo
também necessita de organizações que representem a área, cursos,
disciplinas, congressos, publicações e etc.
Ou seja, constatar que o Brasil não é o
único país que tem buscado atingir uma solidificação e uma credibilidade
para o campo da Psicologia do Esporte é um grande avanço, uma vez que,
pouco se conhece do que realmente acontece fora do território
brasileiro. Mesmo assim, saber que há um grande movimento em direção à
conquista de maior reconhecimento e espaço no mercado da Psicologia do
Esporte, não significa esgotar as reflexões propostas nesse capítulo
sobre as competências exigidas no fazer profissional do psicólogo
esportivo, no Brasil. Ao contrário. Isso só aumenta a responsabilidade
dos profissionais envolvidos na estruturação desse campo, de propor
condições para que os profissionais em exercício e aqueles que pretendem
exercer a profissão, estejam aptos e qualificados para oferecer seus
serviços à comunidade.
A ISSP, por sua vez, acreditando na
importância do seu papel na formação de profissionais qualificados para
exercer suas atividades de intervenção no mercado de trabalho e na
solidificação da Psicologia do Esporte como campo de atuação e pesquisa,
estabeleceu, em 1997, um novo comitê para supervisionar o
desenvolvimento da disciplina e dos métodos utilizados para preparar e
educar os psicólogos esportivos.
Com o acelerado crescimento do campo da
Psicologia do Esporte e do Exercício, a ISSP e seus membros decidiram
estabelecer, de forma mais definida e universal, padrões determinados
para o campo em questão, para serem utilizados por organizações
profissionais interessadas em estabelecer programas e/ou educação para
os indivíduos que desejam atuar como psicólogos esportivos.
Segundo a ISSP, a Psicologia do Esporte é
vista como uma área especial tanto do corpo de conhecimentos da
Psicologia como do Esporte e do Exercício que necessita de conhecimentos
científicos práticos de ambas as áreas. Como uma especialidade
diferenciada, a Psicologia do Esporte e do Exercício demanda o
desenvolvimento de aplicações e teorias que possam refletir um aumento
de conhecimento tanto para a área da Psicologia como para o Esporte e o
Exercício. Em outras palavras, a Psicologia do Esporte e do Exercício
deve ser estudada, de forma sistemática, em instituições acadêmicas que
disponham de um currículo estruturado, um programa de pesquisa e
experiências supervisionadas e que sejam identificadas pela
responsabilidade de educar e treinar estudantes (Tenenbaum, Papaianou e
Samulski, 2001; p. 2-3).
Em 2001, durante o X Congresso Mundial
de Psicologia do Esporte, em Skiathos- Grécia, a ISSP realizou uma
sessão especial, presidida pelo Prof. Dr. Tony Morris, onde participaram
membros da ISSP, representando diversos países para discutir as
competências necessárias ao exercício profissional do psicólogo
esportivo.
Todos os membros que se encontravam
presentes concordaram, unanimente, que a sistematização das competências
era necessária, principalmente pelo fato de terem sido constatadas
várias diferenças entre os países, no que diz respeito ao treinamento e
seleção de psicólogos esportivos. Mas, a partir de sua aprovação e
posterior publicação como documento da ISSP, as mesmas não deveriam se
tornar ou serem vistas como uma imposição feita a qualquer indivíduo ou
grupo pelo mundo, mas sim, como recomendações para os indivíduos e/ou
instituições que desejam desenvolver, planejar ou mudar os métodos pelos
quais o psicólogo do esporte e do exercício é preparado.
É fato que a ISSP tem clareza das
diferenças que existem na formação do psicólogo esportivo. Desde o
processo até os padrões aos quais são submetidos, ou seja, tanto os
profissionais como a cultura do país e/ou região têm características que
podem chegar a impossibilitar qualquer comparação, principalmente no
que diz respeito à formação dos profissionais. Mesmo assim, coube a
alguns dos membros que participaram dessa sessão especial redigir um
documento onde estariam dispostas, não só as competências exigidas no
exercício profissional do psicólogo esportivo (Quadro V; p. 109), mas
também o esquema conceitual desenvolvido pelos membros da própria ISSP
que dispõe dos padrões teóricos da Psicologia do Esporte e do Exercício e
suas relações com a atividade prática. Veja Figura 1 a seguir:
Esquema conceitual para definir as competências e os cursos em Psicologia do Esporte e do Exercício
De acordo com a Fig. 1, é possível
afirmar que a Psicologia do Esporte e do Exercício deve ser formada de
uma base teórica que mobiliza determinados conhecimentos (A1; A2; A3 e
A4) e, estes saberes devem abranger tanto a área da Educação Física e
Esporte como também da Psicologia. Uma vez cumprindo estes
pré-requisitos e submetido às supervisões, o psicólogo esportivo estará
apto, segundo a ISSP, a realizar intervenções (B1 e B2), tanto no que
diz respeito às equipes e atletas individuais, como trabalhar a
comunicação entre técnicos, administradores, dirigentes e etc. Poderá
atuar com crianças, adultos e pessoas idosas, assim como desenvolver
habilidades em atletas de nível amador ou profissional; desenvolver
atividades com indivíduos saudáveis como também indivíduos em fase de
reabilitação ou deficientes (atletas para-olímpicos, por exemplo). Os
exercícios ou condutas aplicados devem sempre buscar promover saúde,
tanto no aspecto físico como no emocional.
Tenembaum, Papaianou e Samulski (2001)
acreditaram que, ao redigir esse documento em nome da ISSP, o mesmo não
só deveria disponibilizar as competências exigidas no exercício
profissional do psicólogo esportivo, como também procurar deixar claro o
que significava para a ISSP o termo competência, possibilitando,
portanto, a compreensão da dimensão das competências dispostas no Quadro
abaixo. Ou seja, ao se definir a competência como sendo um desempenho
e/ou habilidade a serem demonstrados por uma pessoa que pretende
tornar-se, ou já é, psicólogo esportivo ou do exercício, em áreas
específicas, torna-se possível entender, a partir do Quadro abaixo, por
que é tão importante e necessário um olhar mais atento à questão da
formação do psicólogo esportivo, não só no que diz respeito aos países
de fora, mas também no que diz respeito ao Brasil. Veja Quadro a seguir:
Competências exigidas no exercício profissional do psicólogo esportivo segundo a ISSP
O Quadro acima, portanto, mostra, de
forma detalhada, a partir do esquema conceitual anteriormente
desenvolvido pela ISSP (Fig. 1), o que compreende cada uma das
competências estabelecidas como necessárias ao exercício profissional do
psicólogo esportivo. Porém, com a preocupação de não correr o risco de
tornar o texto repetitivo, a cada vez que for necessário se reportar às
informações do Quadro acima, as mesmas foram convertidas em tópicos para
facilitar a posterior comparação com os outros órgãos que virão a
seguir: APA/CRSPP; AAASP; CFP e CRP e SOBRAPE, respectivamente. Neste
sentido, antes de prosseguir com essa descrição, seguem os tópicos
identificados nas competências, na próxima lição.
As Competências segundo a ISSP
A1. Base do Conhecimento (Knowledge-base)
A1. Teorias:
Psicologia Geral:
Fundamentos e História da Filosofia-Psicologia; Teorias e principais
enfoques (Psicodrama, Behaviorismo, Cognitiva, Social e
Cognitivosocial); Teoria do Desenvolvimento; Teoria Psicodinâmica;
Teorias da Aprendizagem; Bases sociais do comportamento; Bases
biológicas do comportamento; Teorias de técnicas de aconselhamento;
Psicopatologia; Comportamentos anormais; Métodos de terapia e de
avaliação de personalidade; Saúde; Metodologia da Pesquisa e
Estatística; Ativação (Arousal), Ansiedade; Emoção; Stress; Motivação;
Necessidade de Realização; Teorias sociais-cognitivas; Cognição
(sensação, percepção, memória, processo de informação, tomada de
decisão, processo de atenção); Aprendizagem e inteligência; Sexualidade;
Psicologia Social; Liderança e Dinâmicas de grupo; Psicologia Aplicada;
Fundamentos da Psicofisiologia; Cultura e Ètica.
Psicologia do Esporte:
Origem e História da Psicologia do Esporte; Aplicação das principais
teorias e enfoques no esporte; Ativação (Arousal), Ansiedade e
Performance no Esporte; Personalidade no Esporte; Teorias da Motivação e
Conceitos do esporte; Atribuição e Emoção; Psicologia Social no
esporte; Liderança e Dinâmicas de grupo no esporte; Socialização; Bases
psicológicas e biológicas da agressividade, violência e assertividade
(atletas e público); Questões relacionadas ao esporte juvenil;
Comportamento dos técnicos; Aspectos psicológicos de indivíduos com
problemas emocionais, mentais e físicos; Psicologia do Exercício
(aderência, aptidão, efeito, vício e percepção do esforço); Questões de
gênero (igualdade, identidade e estereótipo); Questões multi-culturais
no esporte Teoria da Ação no esporte; Dinâmica para aquisição de
habilidades; Psicologia do Esporte cognitiva (atenção visual, recursos
de atenção e capacidades, antecipação, memória de longo prazo,
conhecimento estrutural, poder de tomada ou alteração de decisão e
execução de ações); Desenvolvimento de especialidades; Prática de
discussão; Aquisição de habilidades (desenvolvimento motor e
especialidades); Psicofisiologia no esporte; Psicologia de atletas
lesionados (processo de reabilitação); Exercício e saúde mental;
Psicologia de um estilo de vida saudável e qualidade de vida;
Desenvolvimento da moral no esporte e exercício; Transição e
encerramento da carreira esportiva; Métodos de pesquisa e Estatística em
Psicologia do Esporte e Teoria do aumento da performance.
Teorias (em conhecimento motor, físico e Cinesiologia):
Fisiologia do Exercício (geral); Fisiologia do Esporte e do Exercício;
Aprendizagem motora e aquisição de habilidades; Controle motor e
processo neuro-muscular; Bases biomecânicas de habilidades motoras;
Bases de nutrição no esporte e exercício; Anatomia; Medicina Esportiva; e
Métodos de treinamento (principalmente restabelecer carga de treinos e
periodização).
Conhecimentos relacionados: Sociologia do Esporte; Programas de computação e Princípios de organização e administração no esporte.
A2. Ferramentas de pesquisa:
- Enfoque quantitativo, qualitativo ou uma combinação dos dois;
- Princípios metodológicos: amostragem, validade interna e externa e segurança (confiabilidade);
- Estatística: modelos simples, modelos multivariados, modelos bayesian, modelos integrativos, modelos correlacionados, modelos experimentais e uso de um programa (software) específico para estatística.
A3. Medição, avaliação e interpretação:
Do ponto de vista teórico: provando teoria e ética (introspecção, observação, entrevistas e outros); necessidade de avaliação; perfil psicológico; avaliação por computador; normas e critérios de medição; desenvolvimento de uma base de dados; uso de medidas através de ferramentas da Psicologia do Esporte; modelos de medida para traços latentes do indivíduo; administração, marcação, interpretação, relato e retorno (feedback) dos dados levantados; avaliação da vocação para a carreira e medição e avaliação das limitações do indivíduo.
Do ponto de vista prático (relacionado
especificamente ao esporte): desenvolvimento de procedimentos de
avaliação para o esporte competitivo; implementação do programa de
avaliação através de feedback; implementação de dados e descobertas de
técnicas de avaliação através da pesquisa científica.
A4. Ferramentas éticas:
Questões éticas e profissionais
(confidencialidade e sigilo); padrões éticos (nacionais e
internacionais) e ética e sigilo nos serviços realizados em programas de
computação.
B. Técnicas básicas de prática:
B1. Intervenções: Psicodinâmicas; Terapia cognitivo-comportamental; Modificação de comportamento; Terapias de relaxamento; Terapia familiar; Aconselhamento de carreira; Abordagem de organização de sistemas; Técnicas de aprendizado social e outras (Humanista, Existencial, etc).
Técnicas para aumento de performance:
Controle de ativação da ansiedade; Concentração e controle de atenção;
Relaxamento e excitação (energização); Determinação de metas e perfil de
desempenho; Construção da confiança; Aumento da concentração;
Visualização e Imaginação; Rotina de desempenho e direcionamento das
habilidades; Coesão da equipe, eficácia e liderança; Debriefing33;
Fornecimento de feedback e reforço; Aumento da autoconfiança e
Desenvolvimento de atitude.
Técnicas de desenvolvimento de habilidades pessoais:
Comunicação das habilidades e processos; Gerenciamento de tempo;
Resolução de conflitos; Relações interpessoais; Habilidades de vida e
Plano de carreira.
Intervenções críticas:
Transtornos alimentares e administração do peso; Pesar, depressão,
perda e suicídio; administração de lesões e reabilitação; Abuso de
substâncias; Auto-estima e autoconfiança; Transtornos de stress
pós-traumático; Perfeccionismo e Procrastinação; Transição de carreira e
Risco de lesão e reabilitação.
Intervenções para organização: Dinâmicas de equipe; Liderança; Processos de comunicação e Análise de sistemas.
B2. Comunicação:
Habilidades de Comunicação (verbal e não verbal):
- Entre atletas;
- Entre atletas e técnico;
- Entre atletas, técnico e instituição;
- Desenvolvimento de uma liderança construtiva;
- Com outros atletas;
- Com outros profissionais da Psicologia do Esporte e do Exercício
Experiência Supervisionada:
é designada a fornecer supervisão com orientação, ambiente e
oportunidades que facilitem o desenvolvimento das competências
permitindo ao profissional utilizar seu conhecimento básico de maneira
ética.
Princípios da Supervisão:
- Aquisição de conhecimento sobre as competências associadas ao profissional de Psicologia do Esporte e do Exercício;
- Um supervisor qualificado ou vários supervisores que, juntos, se encarregam de designar as competências ao profissional da área;
- Determinação da duração de tempo requerido para o desenvolvimento das competências, permitindo uma flexibilidade no tempo necessário para tal;
- Critérios os quais se referem a uma conclusão satisfatória para que cada competência seja definida;
- Critério de avaliação para o monitoramento e estabelecimento dos relatórios de progresso (andamento);
- Participação e apresentação (se possível) em reuniões profissionais e conferências científicas;
- Planejar encontros de supervisão regular com o supervisor (s);
- Manter um registro formal (escrito, gravado e/ou eletrônico) dos registros de prática (data, tempo, resumo e nome do supervisor);
- Um relato dos encontros com o supervisor
- Um relato das atividades designado a desenvolver os conhecimentos básicos e experiências práticas;
- Um registro das conferências, workshops e encontros assistidos;
- Um registro dos trabalhos escritos, publicações e apresentações;
- Uma avaliação dessas atividades;
- Manter um registro individual para os clientes, e/ou resumo escrito ´para os técnicos, equipe e/ou organização;
- Esboçar os principais problemas e desafios encontrados e os métodos oferecidos e aplicados para resolvê-los ou melhora-los;
- Preparar os detalhes do programa de intervenção e o esboço de como os mesmos foram implementados;
- Registrar como os padrões e o sigilo dos clientes foram assegurados.
Portanto, de acordo com os tópicos até
aqui descritos, é possível perceber que a ISSP, ao determinar as
competências exigidas no exercício profissional do psicólogo esportivo,
não o fez de forma deliberada. Ao contrário. No papel que lhe cabe
enquanto Sociedade Internacional de Psicologia do Esporte, a ISSP
identificou não só as competências, mas os saberes necessários para
desenvolvê-las a começar pela Base de Conhecimento que, segundo sua
visão, deve ser oferecida ao profissional que deseja atuar como
psicólogo esportivo e que compreende tanto as teorias da Psicologia
Geral como as teorias específicas da Psicologia do Esporte e outras
teorias que abrangem conhecimento motor, físico e Cinesiologia.
A partir da aquisição desses
conhecimentos, são oferecidas ao profissional, ferramentas de pesquisa
que irão ajudá-lo a sistematizar o estudo dos indivíduos submetidos ao
trabalho de intervenção psicológica. Além disso, o profissional também
aprende a medir, interpretar e avaliar dados, tanto do ponto de vista
teórico, como do ponto de vista prático. Questões éticas, no que diz
respeito à conduta desse profissional e também à forma como manuseia as
informações coletadas no campo de trabalho também são abordadas.
Do ponto de vista da intervenção
propriamente dita, o profissional interessado em trabalhar como
psicólogo esportivo aprende técnicas específicas de aplicação tanto para
o desenvolvimento de habilidades do indivíduo como a melhora da
performance. Nesse caso, o psicólogo poderá fazer uso de diversas
abordagens da Psicologia Geral para analisar o comportamento do atleta,
da equipe, do técnico ou da própria organização. Um outro fator
importante que constitui um campo para atuação do psicólogo esportivo é a
comunicação.
A ISSP acredita que trabalhar a
comunicação entre atletas, entre atletas e técnico ou entre atletas,
técnicos e organização (clubes) contribui para o desenvolvimento não só
dos atletas, mas de todas as pessoas envolvidas com o esporte,
independente da modalidade.
Para concluir, um outro tópico que
merece destaque é a necessidade de supervisão para os profissionais de
Psicologia do Esporte. De acordo com a ISSP, é imprescindível que os
futuros psicólogos esportivos possam ter à disposição, profissionais
capacitados para realizar supervisão do material colhido em campo.
Dentre os pré-requisitos listados pela ISSP apontam-se os encontros
constantes com o supervisor para orientação dos dados coletados,
participação em congressos científicos e encontros profissionais para
divulgação do trabalho realizado, publicações, relatórios das atividades
exercidas durante o trabalho de campo, conduta ética e sigilo no
manuseio das informações coletadas no decorrer do trabalho e etc.
Sendo assim, uma vez tendo claro o
posicionamento da ISSP em relação aos critérios de formação do psicólogo
esportivo, tanto no que diz respeito às competências exigidas para o
exercício profissional, como os saberes necessários para o
desenvolvimento dessas competências, outras sociedades e associações se
viram no papel de procurar estabelecer, senão os mesmos critérios
exigidos e aprovados pela ISSP, pelo menos uma parte deles. Seguem,
portanto, os próximos órgãos consultados, APA/CRSPP; AAASP, CFP e CRP e
SOBRAPE, respectivamente, com o objetivo de analisar suas semelhanças e
diferenças, a partir das referências estabelecidas pela Sociedade
Internacional de Psicologia do Esporte.
As Competências segundo a APA
Ao
consultar o site da APA (www.apa47.org) acessa-se uma série de
informações sobre a Associação Norte-americana de Psicologia- Divisão
47, que corresponde à Divisão do Exercício e Psicologia do Esporte.
Sua história se inicia em Agosto de
1986, data esta reconhecida, posteriormente, como sendo a data de sua
criação, quando um grupo denominado de Grupo de Interessados em
Exercício e Psicologia do Esporte, formou-se durante um encontro anual
ocorrido em Washington D.C. em 1983. Com o passar dos anos, um comitê de
direção foi formado e leis foram desenvolvidas. A partir daí, um número
significativo de pessoas passaram a se interessar pelo grupo e se
afiliar, superando a marca de 500 membros, o que resultou num pedido
formal, junto a APA, para que o mesmo grupo se tornasse uma divisão da
Associação Norte -americana. Hoje, a APA- Divisão 47 possui mais de 1000
membros e estudantes afiliados e tem, enquanto associação, realizado um
papel importante junto à história da Psicologia do Esporte na América.
A Divisão 47 representa o
desenvolvimento rápido e excitante de uma especialização que tem se
colocado no cruzamento entre a Psicologia e as Ciências do Esporte. Com a
Divisão, os cientistas e os praticantes da Psicologia do Esporte têm a
oportunidade de interagir e adicionar mais conhecimento às
potencialidades pessoais e profissionais. Os interesses de pesquisa dos
membros da Divisão incluem a motivação para persistir e conseguir
cumprir metas; considerações psicológicas nos casos de lesão e
reabilitação do esporte; técnicas de aconselhamento com atletas;
avaliação de talento; adesão e bem-estar na atividade física;
autopercepções relacionadas à realização; habilidades para o esporte;
esporte juvenil e técnicas do aumento e auto-regulação do desempenho. A
divisão promove ainda, as fundações científicas, educacionais, e
clínicas da Psicologia do Esporte e do Exercício.
Além disso, a APA- Divisão 47 tem,
também, desde 2003, realizado um evento o qual foi denominado
Giveaway-athon, que tem como principal objetivo levar a Psicologia do
Esporte ao conhecimento da população. Segundo Judy Van Raalte,
ex-presidente da APA, a idéia do evento nasceu na cidade de São
Francisco, durante a convenção anual da APA. Segundo ela, a criação
desse evento foi mobilizada pelo desejo de retribuir de alguma forma a
cidade que sediava a convenção. Para isso, seriam enviados alguns dos
melhores profissionais em Psicologia do Esporte para proferir palestras,
workshops, apresentações, de graça. Dessa forma, a comunidade poderia
usufruir deste conhecimento, assistindo aos profissionais fora do local
da convenção. O Giveaway-athon desse ano aconteceu em Washington D.C.
Já no que diz respeito à questão da
formação em Psicologia do Esporte, a APA acredita que, quando uma
especialidade passa a ser definida como uma área de prática psicológica,
a mesma requer conhecimento avançado do profissional e, as habilidades
adquiridas, devem possuir uma sistematização nas instruções e
treinamento. Tanto o conhecimento quanto as habilidades devem ser
obtidos através de fundamentações científicas e profissionais inseridas
no campo da Psicologia.
Em se tratando da Psicologia do Esporte,
a APA defende que o conhecimento avançado na área deve vir dos domínios
psicológicos, do esporte e do exercício. O psicólogo do esporte e do
exercício é um profissional que tem, em sua formação, peculiaridades que
o diferem de outros especialistas, tanto no que diz respeito ao seu
corpo de conhecimento científico, como também na sua aplicabilidade.
Como um profissional distinto, as intervenções de campo e as teorias
desenvolvidas refletem e realçam o conhecimento da ciência Psicologia
bem como do esporte e do exercício.
Por conta disso, em Fevereiro de 2003, o
Conselho dos Representantes da APA aprovou o que eles denominaram de
proficiência em Psicologia do Esporte. Essa nomeação indica que a
Psicologia do Esporte agora é reconhecida como sendo um aspecto
particular da prática psicológica. O reconhecimento dessa nomeação não
se aplica, entretanto, num nível individual. Um “mecanismo específico”
necessita ser desenvolvido para indicar se todo psicólogo em particular,
pode ser considerado competente para se tornar um psicólogo esportivo.
Para isso, inúmeros caminhos têm sido considerados, seguindo a aprovação
do conselho. Estes incluem: o desenvolvimento de diretrizes para
psicólogos em Psicologia do Esporte, o desenvolvimento de uma supervisão
da prática do psicólogo esportivo, revisão das credenciais e uma
aprendizagem constante dos conteúdos teóricos.
Nos termos de proficiência da APA,
aprovados pelo CRSPPP, a especialização em Psicologia do Esporte é
reconhecida como uma especialização em caráter de pósgraduação, cumprida
após a obtenção do doutorado em uma das áreas primárias da Psicologia.
A proficiência abrange o treinamento das
habilidades psicológicas dos atletas, bemestar dos atletas, associado a
organizações esportivas e no desenvolvimento de aspectos sociais do
esporte. Vale ressaltar, no entanto, que a proficiência, segundo o
comitê, não pode ser confundida com o doutorado em Psicologia do
Esporte, o qual, tem uma longa tradição nos Departamentos de Ciências do
Esporte e Cinesiologia.
A APA também estabeleceu, a partir das
competências exigidas na formação em Psicologia, duas outras
competências necessárias ao exercício profissional do psicólogo
esportivo. Fato esse que chama atenção para uma outra questão
importante, já levantada no decorrer desse trabalho: quem deve ou pode
exercer o papel de psicólogo esportivo? Nesse caso, a APA deixa claro
que, ao exigir que o psicólogo esportivo deve apresentar as competências
que estão inseridas no Código de Ética do psicólogo, isso significa que
o profissional designado a exercer o papel de psicólogo esportivo só
pode ser aquele que tiver formação em Psicologia. Qualquer outro
profissional interessado em fazer a proficiência, no modelo oferecido
pela APA tem, no mínimo, que ser formado em Psicologia.
Sendo assim, alguns cuidados são
necessários ao exercício profissional do psicólogo esportivo para que o
mesmo seja considerado um profissional competente naquilo que ele faz.
Veja Quadro a seguir:
Quadro - Competências exigidas no exercício profissional do psicólogo esportivo segundo a APA/CRSPP
De acordo com as informações dispostas
no Quadro acima, é possível observar uma divisão no que diz respeito às
competências, ou seja, as primeiras competências, acima relacionadas,
dizem respeito àquelas desenvolvidas durante a formação do psicólogo e,
aquelas que pertencem à APA- Divisão 47 são designadas ao fazer
profissional do psicólogo esportivo.
Ainda no Quadro, também é possível
identificar, principalmente, a necessidade de conhecimento e treinamento
específicos que possibilitem intervenções adequadas no cenário
esportivo e o oferecimento de serviços, ensinamentos, supervisão e
atendimento de qualidade, baseado num conhecimento científico adquirido
através de pesquisa.
Uma vez definidas as competências, a APA
procurou sistematizar um corpo de conhecimento teórico e prático capaz
de possibilitar ao psicólogo esportivo o desenvolvimento das
competências necessárias ao exercício profissional. São estes:
- Ter conhecimento da teoria e pesquisa em fundamentos social, histórico e cultural no desenvolvimento da Psicologia do Esporte;
- Ter conhecimento dos princípios e as práticas da Psicologia do Esporte aplicada, incluindo edições e técnicas da avaliação psicológica específica do esporte e do treinamento mental para a melhora do desempenho e da satisfação;
- Atendimento clínico e aconselhamento junto aos atletas;
- Conhecimento dos aspectos organizacional e sistemático de um consultor esportivo;
- Entendimento do desenvolvimento das questões sociais relacionadas à participação no esporte;
- Conhecimento das bases bio-comportamentais do esporte e do exercício (Fisiologia do exercício, aprendizado motor e medicina do esporte). Ter conhecimento da teoria e pesquisa em fundamentos social, histórico e cultural no desenvolvimento da Psicologia do Esporte.
No entanto, a APA alerta que, apesar de
oferecer a proficiência em Psicologia do Esporte e ressaltar a
importância da conduta ética do psicólogo esportivo, ela tem ainda mais
dois desafios a serem cumpridos: 1) promover sempre proteção ao público,
através da verificação do conhecimento no campo e extensa supervisão
que irão assegurar os serviços qualificados direcionados aos indivíduos.
Atletas, técnicos, pais, administradores e outros devem ser capazes de
avaliar se os serviços oferecidos pelo psicólogo esportivo estão dentro
dos padrões exigidos pela APA; 2) a proficiência deve ajudar os
psicólogos atuais e aqueles que se encontram em treinamento e que estão
interessados no campo, obter o treinamento e a experiência apropriados à
Psicologia do Esporte. Além disso, sendo a Psicologia do Esporte uma
proficiência reconhecida como sendo da Psicologia, a mesma deve fornecer
um modelo de treinamento apropriado ao campo. E, nesse aspecto pode-se
destacar, segundo a APA, as seguintes estratégias e procedimentos:
- Treinamento de habilidades psicológicas;
- Determinação de metas e Perfil de desempenho;
- Visualização e plano de performance;
- Aumento da autoconfiança;
- Técnicas cognitivas de comportamento de auto-regulação;
- Estratégias de controle de concentração e atenção;
- Treinamento no gerenciamento das emoções;
- Interpretação de atribuições e auto-avaliação no esporte;
- Transtornos alimentares e controle de peso;
- Intervenção no abuso de substâncias;
- Pesar, depressão, perda e suicídio;
- Aconselhamento em casos de Overtraining e burnout;
- Aconselhamento sobre questões relacionadas à sexualidade;
- Aconselhamento em casos de violência e agressão no esporte;
- Lesão e reabilitação;
- Transição de carreira;
- Treinamento para coesão de equipe;
- Construção da equipe;
- Treinamento de liderança;
- Desenvolvimento do caráter e da moral no esporte;
- Desenvolvimento da autoconfiança, auto-estima e competência no esporte;
- Intervenções dirigidas aos pais e à família quando necessário, no caso de atletas infanto-juvenis.
Vale ressaltar que, praticamente, todas
as estratégias e/ou procedimentos aqui descritos são os mesmos
determinados pela ISSP, no que diz respeito às Técnicas de intervenção
(B1), com exceção de alguns itens que não aparecem na lista. Mas não
existe nenhuma informação concreta a respeito de um “convênio” entre a
ISSP e a APA, do ponto de vista da formação do psicólogo esportivo. Na
verdade, o que existe é apenas uma referência da APA a ISSP, bem como a
outras sociedades e associações: AAASP; Sociedade Norte-Americana de
Psicologia do Esporte e Atividade Física (NASPSPA) e Associação
Britânica de Ciências do Esporte e Exercício (BASES) que desenvolvem
trabalhos dentro do campo da Psicologia do Esporte.
De qualquer forma, a ausência de um
“convênio” não significa, necessariamente, uma falta de intercâmbio de
informações entre os órgãos. Ao contrário. Mesmo porque, a própria ISSP,
ao estabelecer as competências exigidas no exercício profissional do
psicólogo esportivo, deixou claro que as mesmas não deveriam ser, de
forma alguma, entendidas como uma obrigação para outras sociedades e/ou
associações.
Elas deveriam sim, servir de parâmetro
na confecção de cursos de formação e treinamento do profissional que se
interessa em trabalhar com Psicologia do Esporte.
As Competências segundo a AAASP
Nessa
mesma linha de pensamento, encontra-se também a Associação para o
Avanço da Psicologia do Esporte Aplicada (AAASP), o próximo órgão a ser
descrito.
Fundada em 1986, a AAASP surgiu como uma
grande organização aplicada ao esporte, exercício e saúde psicológica.
John M. Silva, fundador e presidente estabeleceu que a AAASP deveria
promover a ciência e a prática da Psicologia do Esporte (exercício e
saúde) e, ao mesmo tempo, promover uma oportunidade dos indivíduos
compartilharem informações sobre desenvolvimento de teorias, pesquisa e
promover também, serviço psicológico à população.
Três áreas, então, inicialmente, foram eleitas como focos para possibilitar a concretização desses objetivos:
1. Psicologia da Saúde: abrange
o papel dos fatores psicológicos na prática do esporte e do exercício,
particularmente, aqueles relacionados ao desenvolvimento e à cura de
doenças, stress e promoção da saúde. A principal preocupação é ajudar
indivíduos a se manterem saudáveis física e emocionalmente.
2. Intervenção para o aumento da performance:
o foco dessa área está no desenvolvimento de pesquisa, teoria e prática
para promover performance dentro do exercício e esporte. Esta área
também se preocupa com os efeitos da intervenção psicológica no esporte
na busca do bem estar daqueles que praticam atividade física.
3. Psicologia Social: Seu
foco principal é o processo individual e grupal no cenário esportivo.
Esta área aplica os fundamentos da Psicologia Social para examinar
fatores relacionados aos participantes do esporte, técnicos, equipe e
platéia (espectadores).
Posteriormente, a AAASP, com o objetivo
de ajudar atletas, técnicos, pais e pessoas interessadas em compreender a
Psicologia do Esporte aplicada, criou mais três áreas que oferecem
informações completas a respeito da Psicologia do Esporte aplicada. São
estas: Informações sobre Psicologia do Esporte aplicada; Questões
freqüentes feitas sobre Psicologia do Esporte aplicada; Definição de
habilidades psicológicas e Definição de papéis profissionais.
Além disso, a AAASP, também tem dedicado
tempo e esforços significativos aos critérios essenciais à identidade e
prática da Psicologia aplicada ao esporte. Como resultado desses
esforços, em 1989, a AAASP estabeleceu e aprovou critérios para
certificação do profissional em Psicologia do Esporte, com a intenção de
demonstrar que os indivíduos que procurassem essa certificação deveriam
ter no mínimo um nível de experiência e treinamento para oferecer
serviços em Psicologia do Esporte aplicada.
Atualmente, a AAASP é a única
organização em esporte, exercício e Psicologia da Saúde que oferece esse
tipo de certificado aos seus membros. No entanto, no que diz respeito
aos critérios exigidos para o desenvolvimento e aplicação da Psicologia
do Esporte, estes trazem algumas diferenças quando comparados aos órgãos
anteriores (ISSP e APA).
De acordo com essa organização, são
conferidos certificados aos profissionais que recebem o título Consultor
da AAASP (Certified Consultant, AAASP). No entanto, a AAASP,
diferentemente da ISSP e APA, permite que outros profissionais que
trabalham com o esporte, que não o psicólogo, obtenham o certificado de
Consultor da AAASP.
De acordo com seu estatuto, os
profissionais formados pela AAASP são reconhecidos pela Associação
através da obtenção de um conhecimento em nível profissional de
subdisciplinas da Psicologia do Esporte aplicada, como por exemplo:
Psicologia da Saúde e do Exercício; Intervenção e aumento de performance
e Psicologia Social. A aplicação destes conhecimentos é, primeiramente,
direcionada às atividades educacionais envolvendo a comunicação dos
princípios da Psicologia do Esporte aos indivíduos envolvidos com
treinamento desportivo, competição, exercício e atividade física, além
do desenvolvimento e compreensão das habilidades cognitivas,
comportamentais e afetivas de participantes de todas as idades e níveis.
Os procedimentos de avaliação e intervenção utilizados são específicos
em termos operacionais e avaliados, de forma objetiva, quando possível.
Nesse sentido, ao observar as
competências exigidas pela AAASP e dispostas no Quadro abaixo, poderia
se afirmar que, qualquer profissional, independente do psicólogo,
estaria apto a conseguir o título de Consultor da AAASP, já que as
competências abaixo relacionadas não oferecem limitações a quem não fez
sua graduação em Psicologia, como é o caso da APA, por exemplo. Mas nem
sempre o que se mostra muito simples, na verdade o é. Ao contrário.
Quadro - Competências exigidas no exercício profissional do psicólogo esportivo segundo a AAASP
O Quadro acima mostra resumidamente
algumas das competências que o profissional que recebe o título de
Consultor da AAASP deve possuir, mas ao consultar o site da AAASP
(www.aaasponline.org ), é possível encontrar cinco passos, ou como
mencionado no texto, “cinco ciclos” direcionados aos interessados em
receber o título de consultor que desmistificam a simplicidade aparente
dessas competências, provando que, se o profissional desejar possuir o
título de consultor, ele terá que desenvolver muito mais do que as
quatro competências relacionadas anteriormente. Veja a seguir:
O primeiro passo refere-se ao Código de ética da Associação.
A AAASP desenvolveu um código de ética bastante semelhante ao da ISSP,
que aborda, além dos 25 padrões de conduta, seis princípios:
Competência; Integridade; Responsabilidade científica e profissional;
Respeito e Dignidade pelas pessoas; Preocupação em dar assistência aos
outros e Responsabilidade Social. No Código de Ética descrito pela ISSP,
acrescentam-se ainda além destas: Permissão e Confidenciabilidade;
Conduta Pessoal e Ética de pesquisa.
Segundo a Associação, o profissional deverá respeitar e cumprir todas as exigências feitas pelo Código de Ética.
O segundo passo diz respeito ao tipo de seleção a que o profissional deverá se submeter para conseguir o certificado, de acordo com a sua formação. Existem quatro tipos de opção para seleção:
1. Formulário de Aplicação de
Re-certificação (Recertification Application Form): para profissionais
que já possuem o certificado de consultor;
2. Formulário de aplicação para
Grandparenting (Grandparenting Application Form): para candidatos que
obtiveram o título de doutor até 31 de Dezembro de 1992;
3. Formulário de Aplicação Padrão (Standard Application Form): para os candidatos que possuem doutorado;
4. Formulário de Aplicação para quem
possui o título de Mestre (Masters Degree Application Form): para os
candidatos que possuem mestrado (status provisório).
No caso do candidato escolher o primeiro
ou segundo Formulário de Aplicação (1 e 2), o mesmo poderá prosseguir
no passo quatro. Senão, ele deverá seguir a ordem.
O terceiro passo diz respeito à
contratação de um supervisor que estará disposto a ajudar o candidato a
se tornar Consultor da AAASP. O quarto passo consiste em o candidato
imprimir a aplicação à qual ele terá que se submeter (escolha feita no
segundo passo). E o quinto e último passo é uma revisão completa do
preenchimento do Formulário de Aplicação com o objetivo de verificar se
está tudo correto.
Vale ressaltar, no entanto, que cada um
dos formulários41 descritos aqui, tem no mínimo 13 páginas, contendo
desde informações sobre o histórico escolar do candidato, passando pela
avaliação de conhecimento do Código de Ética, Psicologia do Esporte,
Biomecânica e/ou Bases Fisiológicas do Esporte, Bases históricas,
filosóficas, sociais ou do comportamento motor do esporte,
Psicopatologia e suas avaliações, Habilidades de Aconselhamento,
Habilidades e técnicas de análise dentro do Esporte e do Exercício e
experiências relacionadas ao treinamento, Pesquisa, Estatística e
Avaliação psicológica, Bases biológicas do comportamento, Bases do
Comportamento cognitivo-afetivo, Bases do Comportamento social,
Comportamento individual.
Além dos itens acima, ainda é pedido o
relatório de avaliação da prática supervisionada. Nesse caso, o
candidato deverá contratar um supervisor indicado pela AAASP, através de
uma lista com nomes de todos os supervisores credenciados. O candidato
deverá cumprir 400 horas de supervisão, sendo que 25% ou 100 horas devem
ser direcionadas ao atendimento com os clientes. O supervisor ficará
encarregado de verificar e avaliar não só o cumprimento das horas
estipuladas, mas também as atividades práticas realizadas pelo candidato
durante sua experiência em campo.
Em outras palavras, apesar da clara
diferença dos outros órgãos para com a AAASP, fica evidente que os
critérios adotados na seleção de profissionais para exercer a função de
Consultor da AAASP são tão complexos e, ao mesmo tempo, completos quanto
aqueles oferecidos pela APA. Além disso, pode-se observar, também, que
de acordo com o
formulário de aplicação, os conhecimentos prévios exigidos pela Associação abrangem, não só grande parte dos conhecimentos teóricos estabelecidos pela ISSP, para o desenvolvimento das competências do psicólogo esportivo, como também exige o cumprimento de atividade prática supervisionada. E, esta, talvez, seja a primeira diferença a
apontar, entre AAASP e os outros órgãos: o profissional que cumpre todas as etapas de seleção, não recebe o título de “psicólogo” esportivo e sim, de Consultor da AAASP.
formulário de aplicação, os conhecimentos prévios exigidos pela Associação abrangem, não só grande parte dos conhecimentos teóricos estabelecidos pela ISSP, para o desenvolvimento das competências do psicólogo esportivo, como também exige o cumprimento de atividade prática supervisionada. E, esta, talvez, seja a primeira diferença a
apontar, entre AAASP e os outros órgãos: o profissional que cumpre todas as etapas de seleção, não recebe o título de “psicólogo” esportivo e sim, de Consultor da AAASP.
Em outras palavras, é possível afirmar
que essa formação existe e pode se diferenciar através de suas
intervenções. Mas essa discussão não se encerra aqui. Mesmo porque ainda
falta mencionar os órgãos nacionais e o que eles têm oferecido em
termos de formação e competências no caso da Psicologia do Esporte.
As Competências segundo o CFP e CRP- Brasil
Abaixo,
segue o Quadro que corresponde ao CFP e CRP, ambos responsáveis
legalmente pelo fazer profissional do psicólogo e conseqüentemente, do
psicólogo esportivo, com o objetivo de analisar, sob seu enfoque, qual
ou quais competências são designadas à prática do psicólogo esportivo no
Brasil.
Quadro - Competências exigidas no exercício profissional do psicólogo esportivo segundo o CFP e CRP- Brasil
Voltando-se para o cenário brasileiro,
sabe-se que a formação em Psicologia do Esporte tem ocorrido,
praticamente, só em nível de pós-graduação. Como já descrito,
anteriormente, o título de especialista em Psicologia do Esporte foi
criado em 2001 e sua obtenção, junto aos Conselhos Federal e Regional de
Psicologia, pôde se dar através de concurso de provas e títulos (a
partir de 2002) ou ter concluído cursos de especialização credenciados
pelo CFP.
Até 17 de dezembro de 2001, os
psicólogos com mais de cinco anos de experiência profissional acumulada
em uma (ou mais) área(s) de especialidade poderiam procurar o CRP, dando
entrada à solicitação de concessão de título e respectivo registro. A
condição mínima exigida era estar inscrita no Conselho por, pelo menos,
cinco anos contínuos ou intermitentes, devendo estar em pleno gozo de
seus direitos. Além disso, o psicólogo deveria apresentar documentos
comprobatórios de habilitação para o título (Jornal de Psicologia,
março/abril, 2001). Hoje, este critério não se encontra mais em vigor,
restando apenas aos interessados, ou fazer a prova, ou freqüentar cursos
de especialização credenciados pela ABEP.
A partir da oficialização dessas
medidas, coube então aos órgãos responsáveis formular as principais
atribuições profissionais de cada uma das especialidades reconhecidas,
na época, e, posteriormente, publicá-las no Catálogo Brasileiro de
Ocupações do Ministério do Trabalho (COB).
De acordo com o Quadro acima, as
informações dispostas pertencem às competências que o CFP julgou
necessárias ao exercício profissional do psicólogo esportivo. Vale
lembrar, que o estabelecimento dessas competências é resultado de
discussões acerca da criação ou não de especialidades na área da
Psicologia, que teve início no final de 1999, onde os Conselhos de
Psicologia de todo o Brasil debateram a criação de especializações, cuja
regulamentação consistia numa atribuição específica dos conselhos
profissionais.
Dessa forma, acreditando que a
regulamentação das especialidades está diretamente relacionada ao
exercício profissional e se refere a um aprofundamento técnico e
científico voltado para a prática profissional, os Conselhos
estabeleceram critérios capazes de atender à melhor qualificação do
profissional, buscando garantir um atendimento de maior qualidade à
população. Entre eles estão:
- o tempo de atuação na área, número de horas de curso e a obrigatoriedade dos cursos serem teóricos/práticos, terem supervisão, possuírem disciplina de ética etc;
- a combinação da criação do registro de especialista com outras medidas de intervenção na formação, como a avaliação e o controle da qualidade dos cursos, através do MEC e da ABEP (Associação Brasileira de Ensino de Psicologia);
- que a responsabilidade pela aplicação de provas para os psicólogos que queiram obter registros de especialistas seja reservada a entidades nacionais que venham a ser criadas nas áreas específicas das especializações.
Levando estes critérios em conta, os
cursos de especialização em Psicologia do Esporte, aqueles já existentes
e, os que se encontravam em fase de implementação, por exemplo, tiveram
a chance de reavaliar seu conteúdo programático e os pré-requisitos
exigidos para a obtenção do título de especialista em Psicologia do
Esporte, para então, se adequar às novas normas da ABEP no que diz
respeito ao seu credenciamento.
Três anos depois, no entanto, de acordo
com as informações fornecidas pelo CFP e ABEP, apenas um curso no Brasil
está hoje autorizado a fornecer o título de especialista em Psicologia
do Esporte. Isso, porém, não significa, que não estão sendo oferecidos
outros cursos e que os mesmos, pelo menos do ponto de vista do conteúdo
programático, não estão de acordo com o esperado para uma formação em
Psicologia do Esporte. Aliás, esta é uma questão importante em relação à
formação que vale a pena ser levantada: se o profissional, no caso do
Brasil, o psicólogo, pode fazer um outro curso de especialização que não
seja aquele credenciado e prestar a prova oferecida pelo CRP e se
tornar especialista em Psicologia do Esporte, por que outros cursos de
especialização se disporiam a se submeter às normas exigidas pela ABEP
para obter o credenciamento, se o aluno pode, posteriormente, fazer uma
prova e conseguir o título da mesma maneira?
Esta é uma das contradições da realidade
brasileira quando se remete à questão da formação. Ou seja, as
competências exigidas no exercício profissional do psicólogo foram
estabelecidas, estão presentes tanto na publicação do Catálogo
Brasileiro de Ocupações do Ministério do Trabalho (COB-MT), quantos nos
documentos dos Conselhos Federal e Regional de Psicologia, mas seria
possível identificá-las num profissional, apenas através de uma prova
que é constituída de questões de múltipla escolha?
Talvez ainda seja cedo para responder a
essa questão. Mas o fato é que, quando comparados a outros órgãos, o CFP
e CRP, no que diz respeito às competências e exigências feitas à
formação do especialista em Psicologia do Esporte, parecem se assemelhar
às mesmas determinadas pela APA, que exerce a mesma função legal junto
aos psicólogos, da mesma forma que os Conselhos aqui descritos. Tanto é,
que como ocorre no Brasil, a APA também exige que apenas psicólogos
possam exercer o papel do psicólogo esportivo, oferecendo uma formação
na área. A diferença se encontra apenas na forma como a APA conduz a
especialização em Psicologia do Esporte. Ou seja, o profissional
interessado em obter a proficiência em Psicologia do Esporte deve ter,
no mínimo, um doutorado em uma das áreas primárias da Psicologia. Aqui
no Brasil, isso não é exigido como pré-requisito nos cursos de
especialização.
De qualquer forma, em se tratando das
competências propriamente ditas, através dos quatro órgãos até aqui
descritos, e aí, talvez seja importante a abertura de parênteses já que,
no início desse curso, foi mencionado um quinto órgão nacional que é a
SOBRAPE.
Infelizmente, até o momento, a SOBRAPE,
apesar de exercer, oficialmente, o papel de Sociedade Brasileira de
Psicologia do Esporte, da Atividade Física e da Recreação não possui
nenhum documento (pelo menos de acesso público, como os outros órgãos,
que estabelecem competências necessárias ao exercício profissional do
psicólogo esportivo), assim como, não oferece e nem indica nenhum curso
ou cursos de formação em Psicologia do Esporte àqueles que se encontram
interessados. Por conta disso, foi impossível estabelecer qualquer
comparação com os outros órgãos.
Competências do Psicólogo Esportivo: Visão Geral
Retomando,
em se tratando das competências propriamente ditas, acredita-se que, a
partir dos quadros apresentados durante essas lições, seja possível
visualizar, o cruzamento das informações descritas, anteriormente, um
único quadro de competências que devem ser exigidas no exercício
profissional do psicólogo esportivo. Sendo assim, o Quadro abaixo,
representa os pontos comuns e as diferenças em relação às competências
encontradas nos quatro quadros anteriores. Veja a seguir:
Quadro - Competências exigidas no
exercício profissional do psicólogo esportivo segundo a ISSP;
APA/CRSPPP; AAASP e CFP e CRP- Brasil
Portanto, ao observar o Quadro acima, é
possível enxergar que, todas as competências necessárias ao exercício
profissional do psicólogo esportivo, estabelecidas através de
informações advindas dos quatro quadros anteriores , representam as
competências necessárias ao exercício profissional do psicólogo. Porém, é
necessário alertar que as competências dispostas no Quadro acima podem e
devem sofrer modificações ao longo do tempo, já que tanto o
conhecimento quanto os indivíduos são dinâmicos, ou seja, estão em
constante processo de mudança.
Formação e o Papel do Psicólogo Esportivo
Quando
se propõe discutir sobre a formação do psicólogo esportivo no Brasil,
inevitavelmente, se propõe determinar, de início, quais são os elementos
que compõem esse cenário, de que forma eles estão dispostos e, mais do
que isso, de que forma eles estão se relacionando.
Levando-se em conta essa perspectiva, ao
longo desse trabalho, através de pesquisa e muita leitura, foi possível
determinar alguns elementos que têm assumido lugares importantes dentro
da formação do psicólogo esportivo e que merecem neste espaço, ser
discutidos. São estes: o papel da Psicologia dentro da formação do
psicólogo do esporte, e aí abrange em que nível (graduação ou
pós-graduação lato e/ou stricto-sensu) tem que se dar formação, de que
forma e, as competências exigidas no fazer profissional do psicólogo
esportivo.
Com relação ao papel da Psicologia
dentro da formação do psicólogo esportivo, as informações, que,
freqüentemente, veiculavam através dos livros ou na opinião dos
profissionais, fossem estes psicólogos ou não, eram de que o curso de
graduação deveria oferecer uma disciplina no campo da Psicologia do
Esporte a fim de “garantir”, mínima que fosse, a possibilidade de um
espaço para aquisição de conhecimento.
No entanto, hoje se tem claro, de acordo
com os resultados levantados, que a questão da inserção dessa
disciplina específica, não se constitui mais em uma necessidade vista
como crucial na formação do psicólogo esportivo. Isso porque,
baseando-se nas Diretrizes Curriculares do curso de Psicologia, sabe-se
que uma única disciplina, seja em que área for, não existe num currículo
de graduação, para dar conta de contemplar conteúdos que devam ser
capazes de desenvolver as competências necessárias ao exercício do
psicólogo como um todo, seja no campo do esporte ou em qualquer outro.
Ao contrário. Como apontaram Bastos e
Achcar (1994), dada a diversidade que tem se apresentado, através dos
diferentes contextos em que o psicólogo se encontra hoje inserido e aos
problemas enfrentados, a Psicologia não está e nem pode assumir uma
postura estática ou conservadora. Seu objeto de estudo é o indivíduo, e o
indivíduo, por sua natureza, é um ser dinâmico, que sofre
transformações, desenvolve necessidades, está o tempo todo em contato
com estímulos capazes de mobilizá-lo tanto positiva como negativamente.
Por conta disso, também o psicólogo tem
que, ao mesmo tempo em que acompanha essas transformações vivenciadas
por este indivíduo, desenvolver competências profissionais que o
capacitem adequadamente para lidar com as novas necessidades e os novos
cenários impostos pelas mudanças. Quando se fala aqui em competências,
estas estão relacionadas a uma especificidade necessária àquele contexto
escolhido como campo de intervenção pelo psicólogo. Ao examinar o
Quadro da lição "Competências do Psicólogo Esportivo: Visão Geral", é
possível perceber essa realidade. Ou seja, as competências exigidas no
fazer profissional do psicólogo esportivo, abrangem tanto competências
que são desenvolvidas ao longo dos cinco anos do curso de Psicologia,
como também competências que só serão ou deverão ser desenvolvidas num
curso específico, no caso, provavelmente um curso de especialização, que
pela sua própria característica de formação, foi criado para suprir a
necessidade de profissionais em busca de conhecimentos específicos de
uma área.
Ainda assim, o fato de ficar claro que
não cabe aos cursos de graduação o ônus da responsabilidade de uma
formação específica, não liquida a discussão em torno da formação do
psicólogo esportivo. Na verdade, só inicia uma outra: a discussão sobre a
demanda de cursos de especialização em Psicologia do Esporte,
oferecidos, atualmente, no Brasil.
Pode-se afirmar que existe pelo menos um
curso de especialização em Psicologia do Esporte sendo oferecido em São
Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul.
Estados onde, coincidentemente, estão localizadas as chamadas ilhas de
excelência, ou para ser mais clara, os profissionais de renome do campo
da Psicologia do Esporte que, pelo seu trabalho, suas publicações, sua
atividade acadêmica, etc, tornaram-se referência nacional.
O problema, no entanto, é que dentre
essas possibilidades, só um desses cursos tem habilitado, legalmente, o
psicólogo como psicólogo esportivo, fornecendo ao mesmo, o título de
especialista em Psicologia do Esporte reconhecido pelos órgãos oficiais
CFP e ABEP. Isso significa que, desde a aprovação desse título (2001),
cinco anos depois, apenas um único curso foi, até hoje, credenciado no
Conselho Federal de Psicologia e aprovado pela ABEP. E quanto aos outros
cursos existentes? Quem os oferece não está habilitando seus
profissionais, uma vez que não são credenciados? Não é possível afirmar
isso, mesmo porque, pela própria trajetória dos profissionais
entrevistados, já ficou comprovado que não é só um título de
especialização que pode fazer a diferença na formação de um profissional
dessa área e sim, um conjunto de fatores associados a um conhecimento
específico, que produz um profissional qualificado, apto a exercer sua
profissão adequadamente. A especialização deve ser um meio e não um fim,
na formação do psicólogo esportivo.
O que é possível afirmar nessa questão,
no entanto, é que sendo o curso de especialização um meio de aquisição
de conhecimento na formação do psicólogo esportivo e, o título de
especialista, uma “garantia” legal ao profissional e às pessoas que
usufruem os seus serviços, a união dos dois traria, teoricamente, ao
psicólogo esportivo, um duplo reconhecimento, ou seja, tanto o
profissional quanto a população estariam “garantidos” pela formação (já
que o curso é credenciado) e pelo título de especialista (o profissional
está inscrito no Conselho que regulamenta e responde pelas suas funções
profissionais).
Mas na prática, sabe-se que isso não
ocorre dessa maneira, por que não há como provar se um profissional se
torna competente por ter feito um curso de especialização ou mesmo
cursos em nível stricto-sensu (mestrados e/ou doutorados). O que há é
uma expectativa de que esses veículos de formação possam contribuir sim,
para que este profissional esteja preparado para dar conta de suas
funções como psicólogo esportivo.
Caso contrário, ainda, se nenhum desses
caminhos puder satisfazer as lacunas do conhecimento, existe um elemento
de formação que pode funcionar como diferenciador entre os
profissionais que têm atuado em Psicologia do Esporte: a formação em
Psicologia.
Aqueles que se formaram, inicialmente, em outros cursos como Educação Física, Filosofia ou Pedagogia e se interessaram, posteriormente, pela Psicologia do Esporte, fizeram a graduação em Psicologia. E isso não é uma coincidência, porque está no relato desses profissionais que a procura pela graduação em Psicologia se deu pela necessidade de se conhecer de forma mais aprofundada o indivíduo, e olhar esse indivíduo pela lente de um referencial teórico-metodológico específico da área, no caso, a Psicologia. E, é esse referencial que serve de subsídios para a prática de intervenção do psicólogo esportivo. Se não, por que o nome Psicologia do Esporte, se não for a Psicologia a fazer diferença nessa atuação?
Afirmar que é do psicólogo, o direito de
exercer atividades de intervenção junto a atletas, equipes esportivas,
técnicos, pais, etc, é reconhecer que só ele, mais nenhum profissional
formado em outra área, ainda que tenha adquirido conhecimentos da
Psicologia através de disciplinas acadêmicas, cursos de extensão,
especialização, mestrado ou doutorado, está preparado para fazer
leituras sobre o ser humano, seja no contexto esportivo ou em qualquer
outro. E aqui cabe um esclarecimento pela ênfase dada ao afirmar só ele:
hoje, no Brasil, ainda não existe nenhuma outra formação que possa
oferecer ao profissional, o conhecimento necessário advindo da
Psicologia, que não seja através de um curso de graduação nessa área. E,
além disso, também é necessário considerar que, por uma questão de
legalidade, ou seja, nas leis aprovadas pelo Ministério da Educação e
pelos órgãos oficiais responsáveis pelo exercício profissional do
psicólogo, a Psicologia do Esporte, enquanto prática de intervenção, é
um mercado reservado ao psicólogo. Ou seja, mesmo o profissional tendo,
por exemplo, adquirido um certificado pela AAASP (Associação para o
Avanço da Psicologia do Esporte Aplicada) (ver p. 98-103), que lhe dá o
título de Consultor em Psicologia do Esporte, o mesmo não poderá exercer
essa função aqui no Brasil, a menos que consiga, junto aos Conselhos de
Psicologia, uma equivalência que o autorize a exercer essa função. Sem
isso, o profissional que, com essa formação insiste em realizar práticas
de intervenção, está fora das leis do país e, portanto, deverá ser
denunciado.
Vale ressaltar que essa medida é
necessária, uma vez que se lida com o ser humano, ou seja, qualquer
intervenção inadequada ou ações que não sejam baseadas em conhecimento
científico e respeitem uma ética profissional, podem trazer sérios danos
emocionais ao indivíduo, muitas vezes, irreparáveis. E o Código de
Ética do psicólogo, como em qualquer outra profissão, é específico dessa
atuação. É só comparar, por exemplo, um dos itens, a obrigatoriedade do
sigilo. Não existe no código de ética do engenheiro algo que o obrigue a
guardar “confidências” de um atleta em relação ao técnico. É fato que
isso pode ocorrer, até por uma questão de bom senso do profissional, mas
se assim for, se todos podem agir pelo bom senso (que, a meu ver, é
algo tão pessoal), de que serve a formação e a ética profissional?
Por isso, independente da existência ou
não, de uma formação lato ou stricto-sensu, é do psicólogo, baseado em
sua formação inicial, considerada generalista no Brasil (Maluf, 2003), a
função de realizar intervenções, seja em que contexto for,
principalmente, porque sua formação permite, de acordo com as Diretrizes
Curriculares, uma formação para esse profissional, não só no campo
profissional, como no campo da pesquisa e do ensino.E estas
características, de antemão já contemplam, de acordo com os autores dos
capítulos dos livros consultados, as três funções designadas no fazer do
psicólogo esportivo: o psicólogo esportivo clínico (que faz
intervenções), o psicólogo esportivo educacional (que ministra
disciplinas, conferências, palestras) e o psicólogo esportivo
pesquisador (aquele que estuda e desenvolve novos conhecimentos,
métodos, estratégias, etc, no campo da Psicologia do Esporte).
Portanto, se a formação do psicólogo
esportivo é um assunto que continua provocando polêmicas no campo da
Psicologia do Esporte, é necessário se investigar se os cursos
oferecidos estão ou podem dar conta da demanda de profissionais que têm
interesse na Psicologia do Esporte e, se o que tem sido oferecido
através destes veículos de formação, tem dado conta de formar psicólogos
do esporte capazes de cumprir as competências exigidas no seu fazer
profissional.
Como aponta Franco (2004), citando Horn e
Dewar, para o futuro da Psicologia do Esporte como um todo, deve-se
analisar criticamente não só o que se está fazendo, mas como e por quê
estamos fazendo e, principalmente, por quê ainda estamos fazendo de
maneira individualizada. Desenvolvendo meios críticos e reflexivos que
permitam rever o exercício da Psicologia do Esporte poderemos, enfim,
transformar a sua história, o seu futuro.
Se a Psicologia do Esporte no Brasil é
propagada por vários profissionais como uma área promissora, por que o
retrocesso? E aqui se levanta uma outra questão? A quem caberia o papel e
a iniciativa de reunir as pessoas em sua diferença e manter aberto um
canal de comunicação entre elas? O CFP e CRP? A SOBRAPE? A nova
Associação de Psicologia do Esporte, a ABRAPESP (fundada em 2003,
durante o I Simpósio de Psicologia do Esporte, em SP)? Diria que, de
acordo com as funções assumidas por cada um deles em seus estatutos,
todos teriam a possibilidade de exercer esse papel, mas infelizmente,
pouco se tem feito a respeito, pelo menos no que diz respeito a reunir
os profissionais das diferentes “ilhas”.
E, se o desejo de mudar essa realidade
existe, então diria que só é possível transformar essa história, se
houver um movimento conjunto, principalmente dos profissionais já
inseridos na área, de se posicionarem de maneira, não para disputar
espaço, mas para dividi-lo. É, tão necessária, é também saudável
transitar na diferença. Só assim pode-se enxergar o outro, só assim
podemos enxergar a nós mesmos, seja como pessoa ou como profissional.
Enquanto isso não ocorrer, estamos
correndo o risco de continuar em “ilhas isoladas”, com as mesmas
pessoas, falando sobre as mesmas coisas.
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